Abril
Abril, até quando?
Abril, uma palavra que encerra, para muitas e muitas pessoas, um ideal de liberdade, igualdade e fraternidade, pois, à semelhança do que ocorreu com a Revolução Francesa, que adoptou estes princípios, foi com base neles que há 40 (quarenta!!!) anos se derrubou um sistema opressivo e ditatorial, baseado num poder absoluto.
Existirão, por certo, algumas pessoas que tendo também vivido a época do Estado Novo, ainda o defendem, argumentando que a ditadura não era tão malévola como tem sido afirmado, e que a própria Constituição, de 1933, que, como é público, é o marco do início do Estado Novo, garantia, na óptica dessas pessoas, os direitos dos cidadãos, esquecendo-se, porém, de referir que esses direitos estavam subordinados aos interesses do Estado, ou seja do poder político de então, permitindo (para não dizer que incentivavam) assim as maiores arbitrariedades, com a cobertura da polícia política, inicialmente denominada de Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), posteriormente Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e, finalmente, Direcção-Geral de Segurança (DGS), .
Com a instauração da democracia, em 25 de Abril de 1974, as pessoas saíram para a rua, manifestando exuberantemente a alegria por, finalmente, poderem manifestar em plena liberdade os seus sentimentos e anseios. Não podemos deixar de recordar que, nessa data, Portugal fazia parte dos países que registavam os maiores atrasos, a nível de escolaridade, a nível sanitário, a nível de saúde, a nível de infra-estruturas, etc., etc..
Devemos ter orgulho nos avanços e progressos alcançados nas áreas acima mencionadas, mas, há sempre um mas, outras áreas existem que, para mal dos nossos pecados, como diziam os nossos avós, têm sido um escolho terrível para o desenvolvimento que todos ambicionamos.
Vamos apontar, a título de exemplo, dois desses escolhos. No que toca à justiça (com letra pequena), continuamos como no tempo da outra senhora, perdoe-se-nos este termo revisteiro, mas que espelha a realidade. As ilustres pessoas das elites, que o nosso Povo vulgarmente designa como sendo da alta sociedade, são tratadas com mesuras e acabam por não responderem pelos seus delitos, ao invés do que sucede com a pequena criminalidade, fruto, quantas vezes, do desespero, e que sem dúvida tem que ser punida, não devendo, porém, haver dois pesos e duas medidas...
Ou seja, como diz a voz do povo, o roubo de tostão leva pena de prisão. O “desvio” de milhão, leva absolvição, ou, mais fino, de prescrição.
Um outro grande escolho é a paupérrima qualidade da legislação com que nos debatemos no exercício da nossa actividade, bem como o que sucede com os TOC’s e os empresários, ou seja, e vamos utilizar um termo muito caro à AT, “à contrário sensu”, somos criminosos até provarmos que o não somos, e, em caso de dúvida, penhorem-se créditos, contas bancárias e, ou, quaisquer outros bens, mesmo que essas penhoras deixem as pessoas incapazes de assegurar o seu sustento e dos seus familiares.
Quando acima referimos a paupérrima qualidade da legislação de índole fiscal e tributária com que diariamente trabalhamos, certamente que alguns dos ilustres juristas, que assessoram os ministérios, devem sorrir do alto da sua cátedra e sussurrarem “o que é que estes tipos percebem disto?”.
De facto, os TOC’s e os empresários não ganham à “linha”, mas confrontam-se diariamente com artigos que são aditados aos Códigos num ano e revogados no ano seguinte, com artigos cuja leitura literal diz uma coisa e as Direcções de Serviços dos diversos impostos dizem que o entendimento é outro porque a leitura é dúbia, com artigos que estabelecem valores, critérios e requisitos a serem observados nos anos em que a legislação é promulgada e, logo no ano seguinte, alteram-se esses valores, critérios e requisitos, etc., etc..
Por mais que afirmemos que as situações acima mencionadas, entre muitas outras, são contrárias à liberdade, igualdade e fraternidade, não permitindo que estes princípios sejam extensivos transversalmente a toda a sociedade, para cumprimento das disposições constitucionais que têm em Abril as suas raízes, o poder político parece apostado em faze-los esquecer, pelo que, a coberto da austeridade, o denominado dia da Liberdade acabará por deixar de ser celebrado.
João Colaço