Outubro
A autofiscalização que nos querem impor
Começamos por recordar parte do que escrevemos no Editorial do passado mês de Agosto: «Não podemos deixar de frisar que relativamente à comunicação dos ficheiros e-factura, esta tem dado aso a divergências, que a AT imediatamente assume serem por culpa dos contribuintes, pelo que de imediato envia mensagens aos sujeitos passivos, referindo-lhes que terão mencionado nas suas declarações periódicas de IVA, imposto deduzido superior ao IVA constante das facturas comunicadas pelos seus fornecedores.
Nessas mensagens, a AT admite duas hipóteses: ou os sujeitos passivos preencheram incorrectamente as suas declarações periódicas, ou os seus fornecedores não comunicaram, à AT, todas as facturas emitidas pelo que os adquirentes devem proceder à entrega de declarações periódicas de substituição ou introduzir no Portal da AT as facturas que os seus fornecedores não terão comunicado, identificando os respectivos números, o NIF do fornecedor, o período e o correspondente montante total, ameaçando com a emissão de liquidações adicionais com base no disposto no artigo 87.º do Código do IVA, o que nos parece ser, no nosso entender, manifestamente ilegal, atendendo ao que se encontra estipulado no Código do IVA.»
Decorridos que são mais dois meses, da data em que tal escrevemos, e tendo-se mantido, ou mesmo agravado, tais procedimentos, não podemos deixar de manifestar que, sem prejuízo de melhor opinião, consideramos extremamente grave esta actuação da AT, pois não acata o que se encontra plasmado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 19.º do CIVA, e que se encontra devidamente explicitado nos n.ºs 3 e 4 da Informação Vinculativa referente ao Processo: n.º 717, por despacho de 2010-06-16, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral dos Impostos:
“3. O direito à dedução é definido pelos art.º 19º e seguintes do Código do IVA, sendo pressuposto essencial desse direito que o imposto tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que contribuam para a realização de operações tributáveis (art.º 20 CIVA).
4. O n.º 1 do artigo 19.º do CIVA define o âmbito do imposto que pode ser objecto de dedução, impondo o n.º 2 do mesmo artigo, como condição essencial, que só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes, passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, com exclusão das situações previstas no artigo 21.º do CIVA.”
Estamos crentes de que a AT pretende, com esta actuação, para além de esmifrar, perdoe-se-nos o termo, ainda mais os contribuintes, é que estes se transformem em “fiscais” e levem a efeito a fiscalização que incumbe ao Ministério das Finanças, para o que para tal terão de disponibilizar tempo, espaço, equipamento e recursos humanos próprios, sem qualquer contrapartida, para que suas excelências possam afirmar urbi et orbi que a luta contra a fraude e evasão fiscal atingiu os seus objectivos.
Terminamos referindo que este procedimento da AT, entre tantos outros, ultrapassa, e muito, e põe mesmo em causa, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 59.º - Princípio da colaboração, da Lei Geral Tributária, que preconizam que os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco, e que se presume a boa fé da actuação dos contribuintes e da administração tributária.
João Colaço