2008

Fevereiro


A ROTINA DA VIDA
E nessas situações não há médico, sacerdote ou quiromante que lhes valha, só o odiado/amado/malfadado do TOC...


Se existem vidas prenhes de rotinas a nossa será, certamente, uma das que mais tornam evidentes essas rotinas.

Repare-se que ao referirmo-nos a vidas associamo-las de imediato às profissões. Pensamos que obviamente cada indivíduo sentirá a sua profissão como sendo a mais importante, não no sentido de importância a nível social mas sim no de corresponder às necessidades das pessoas.

Também a população em geral tenderá a hierarquizar as profissões, pelo que, pensamos nós, os médicos estarão situados no topo da pirâmide e os trabalhadores indiferenciados na base dessa mesma pirâmide.

Sendo porém a vida um todo, em que, para usufruirmos de níveis de civilização que nos permitam aceder aos bens e aos serviços, todas as profissões são indispensáveis, essa hierarquização devia estar mais esbatida.

Por vezes questionamo-nos que espécie de vida é a nossa. Desde que no erguemos do leito, seguimos a rotina das ablações diárias, pois a isso nos obriga a nossa higiene corporal, o desjejum e a ida para o escritório, onde nos esperam os problemas que ficaram pendentes no final do dia anterior.

Quando damos por nós já nos encontramos a meio do dia, e, para que o físico não se vá abaixo, vamos deglutir o almoço, quantas vezes apressadamente pois o tempo escasseia, mas, mesmo assim, enquanto comemos, ainda somos solicitados a dar a nossa opinião relativamente a uma situação do amigo de um amigo que tem um problema de IRS, ou de uma questão sobre condomínios, ou, enfim, de tantas e tantas situações que os nossos Prezados Leitores tão bem conhecem porque as sentem na pele.

De regresso ao local de trabalho, esta é boa, não é? (já que, nesta profissão que abraçámos, o nosso local de trabalho é onde nos encontramos a cada momento!) Mas, dizíamos nós, de regresso ao escritório, quando o conseguimos fazer, lá nos embrenhamos na documentação, analisando-a, pois a administração fiscal está cada vez mais exigente quanto aos requisitos que a mesma deve conter, a verificar se os respectivos NIFS dos fornecedores de bens e de serviços existem ou se estão incorrectos, se os formalismos e os requisitos do Código do IVA foram observados, se existem os recibos correspondentes aos pagamentos efectuados, se nos foram remetidos os extractos das contas de depósitos à ordem, se, se, se...

As horas vão decorrendo sem que nos apercebamos, lidando com a documentação e recebendo chamadas dos clientes, autênticos SOS, alarmados com notificações, citações e papões, pois qualquer tipo de documento que seja emitido pela administração fiscal, segurança social ou qualquer outro serviço do Estado, os deixa à beira de um ataque de nervos...

E nessas situações não há médico, sacerdote ou quiromante que lhes valha, só o odiado/amado/malfadado do TOC é que provavelmente lhes dirá as palavras que eles querem ouvir, “esteja descansado, a sua situação encontra-se completamente regularizada pelo que se trata, certamente, de um erro dos serviços”, mas que, quantas vezes, e geralmente por culpa dos próprios clientes, não as podemos dizer, porque a situação não se encontra mesmo regularizada.

Já noite cerrada damos pelo adiantado da hora, o que nos leva a sentir um peso na consciência ao lembrarmo-nos que há alguém que nos ama e que nos espera. Então, para não nos atrasarmos mais, deixamos de lado a legislação e doutrina que entretanto viu a luz do dia, para o dia seguinte, mas, no dia seguinte, repete-se a rotina do dia de ontem, de hoje e de amanhã, e pensamos que no fim de semana teremos um pouco de tempo para analisar a referida legislação.

E não são poucas as vezes, ao estarmos a trabalhar a um Domingo, que somos questionados, então a trabalhar no dia do Senhor? E nós respondemos que sim, porque é esse o nosso dia, é o dia em que somos um Senhor!

Saibamos, Prezados (as) Leitores (as), Colegas e Amigos (as), combater a rotina ao máximo, e procuremos continuar a ser os (as) autênticos (as) Senhores (as), que sempre temos sido.

João Colaço