2008

Março


FANTASMAS, OU TALVEZ NÃO
E os Prezados Leitores questionar-se-ão, mas como pode uma situação deste tipo recair sob a nossa responsabilidade?


A recente publicação do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro, foi mais uma das medidas tomadas pelo Ministério das Finanças, que tutela a nossa profissão, na tentativa de eliminar ou diminuir acentuadamente o denominado planeamento fiscal abusivo, o que, embora possa parecer compreensível e justificável, atendendo ao teor do seu preâmbulo, já não é, no nosso modesto entender, compreensível e justificável no que se refere ao enquadramento dos Técnicos Oficiais de Contas na figura de «Promotor» e nas obrigação de informações a serem prestadas no âmbito da actividade que desenvolvemos.

Não pretendemos, de modo algum, assumir que somos vítimas, ao manifestarmos estes nossos desabafos face à contínua e crescente responsabilização que, segundo todos os Colegas com quem temos dialogado, é em muito superior à própria responsabilidade de qualquer um dos funcionários, desde o mais humilde ao mais alto quadro, da administração tributária.

Relativamente a este último diploma, o supracitado Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25/2, pedimos aos Prezados Leitores que imaginem este hipotético cenário. Num café, sentados a uma mesa com um cliente, e entre diversos assuntos, no meio da conversa, vem à baila a possível aquisição, por parte desse nosso cliente, de uma viatura automóvel, pelo que nos esclarecimentos que lhe prestamos salientamos possíveis consequências derivadas dessa aquisição, seja em sede do CIVA, seja em sede do CIRC ou do CIRS, nomeadamente a dedução, ou não, do IVA, quais as taxas de amortização que deverão ser aplicadas, e que devem ter em conta a respectiva vida útil desse bem, o impacto que os respectivos custos poderão vir a ter no resultado da actividade desenvolvida por esse cliente, pois poderão originar prejuízos, embora esses prejuízos, no cumprimento do princípio contabilístico da continuidade, possam ser deduzidos nos exercícios seguintes, no máximo de seis, etc..

Continuando neste cenário hipotético, na mesa ao lado, duas pessoas estão atentas a tudo quanto dizemos e, às páginas tantas, intrometem-se neste nosso diálogo e, identificando-se como agentes da administração tributária, solicitam a nossa identificação, ao que devermos aceder, como TOC e sujeito passivo do imposto, no cumprimento do disposto no artigo 59.º - «Princípio da colaboração», da Lei Geral Tributária, após o que nos é afirmado que estamos a incorrer no disposto no artigo 3.º do diploma acima mencionado, o que, parecendo uma loucura, não o é assim tanto, atendendo à redacção desse artigo 3.º do DL 29/2008, de 25/2, conforme podemos verificar.

O artigo 3.º - «Planeamento fiscal», considera: “Planeamento fiscal”, qualquer esquema ou actuação que determine, ou se espere que determine, de modo exclusivo ou determinante, a obtenção de uma vantagem fiscal por sujeito passivo de imposto; “Esquema”, qualquer plano, projecto, proposta, conselho, instrução ou recomendação, exteriorizada expressa ou tacitamente, objecto ou não de concretização em acordo ou transacção; “Actuação”, qualquer contrato, negócio ou conjunto de negócios, promessa, compromisso, estrutura colectiva ou societária, com natureza vinculativa ou não, unilateral ou plurilateral bem como qualquer operação ou acto jurídico ou material, simples ou complexo, realizado, a realizar ou em curso de realização, e “Vantagem fiscal”, a redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto ou a obtenção de benefício fiscal, que não se alcançaria, no todo ou em parte, sem a utilização do esquema ou actuação.

E os Prezados Leitores questionar-se-ão, mas como pode uma situação deste tipo recair sob a nossa responsabilidade? Pois, Caros Amigos, é que o disposto nos artigos 4.º e 5.º deste mesmo diploma acabam por dar cobertura a esta hipótese!

Dir-nos-ão que estamos a imaginar fantasmas onde os não há. Mas, Colegas, não existem inúmeros contribuintes a serem intimados e cujos bens são penhorados e alvo de execução, sem nada deverem à administração tributária ou à segurança social? Ou, dito de outro modo, existirá, ainda, alguma coisa que nos espante nesta matéria? 

Esperemos que estas dúvidas não tenham qualquer razão de ser e que as mesmas sejam derivadas da nossa provecta idade, e, sendo este o caso, não nos resta senão o solicitar que todos nos relevem esta nossa desconfiança.

João Colaço