Outubro
Recordar é viver
"Hoje, porém, a incerteza é a única certeza que possuímos em tudo o que se relaciona com o cumprimento das nossas obrigações legais..."
Ao optarmos escrever sobre o tema em epígrafe quisemos realçar duas ou três vertentes das inúmeras que compõem a nossa vida. Na realidade, a labuta em que diariamente nos vemos mergulhados, não nos deixa praticamente tempo algum para analisarmos as nossas emoções, as quais têm por base o que recordamos da vida que entretanto fluiu, qual água entre os dedos das mãos, na voragem sem fim dos tempos, de que as nossas existências não são mais que efémeros resquícios, sem a mínima influência no curso do devir do Universo.
As vertentes a que nos referimos têm a ver quer com o facto de sermos cidadãos quer com o facto de exercermos uma profissão que, na sua génese, tem o dever público de sermos os responsáveis técnicos pela regularidade fiscal das empresas que são o esteio deste nosso País.
Ora certamente que muitos dos Prezados Leitores, Colegas e Amigos que porventura tenham a paciência de ler estas linhas ainda se recordarão dos tempos em que, por exemplo, tanto as leis fiscais como as leis laborais se encontravam sedimentadas e não surgiam alterações em catadupa como sucede hoje em dia.
Recordamos, porque o vivemos, que até há pouco mais de 20 anos atrás, as empresas, assim como os cidadãos, sabiam quais as linhas que delimitavam o desenvolvimento das suas actividades, quais os impostos a que estavam sujeitos, quais as regras que norteavam a Administração Pública.
Hoje, porém, a incerteza é a única certeza que possuímos em tudo o que se relaciona com o cumprimento das nossas obrigações legais, dado que estas mudam constantemente, como os cata-ventos sob a influência das ventanias...
Não somos saudosistas e regozijamo-nos com o progresso alcançado em tantas matérias, nomeadamente nas ciências, nas artes, no desporto, etc., mas não podemos deixar de manifestar alguma tristeza e desalento por se terem perdido alguns dos princípios que norteavam a tributação das pessoas e das empresas.
Veja-se, a propósito, e para não recuar mais no tempo, o Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro. No primeiro parágrafo do ponto 17, do preâmbulo deste Código, é afirmado: “Sem embargo da observância dos preceitos constitucionais relativos ao sistema fiscal, e em particular do imperativo de equidade deles decorrente, a reestruturação da tributação do rendimento tem de nortear-se por preocupações de eficiência, de simplicidade e de estabilidade das categorias fiscais a instituir, preocupações que constituem, aliás, uma nota convergente dos esforços reformistas nesta matéria, a que tão grande importância se vem dando nas democracias industriais do nosso tempo”.
Digam-nos, Prezados Leitores, Colegas e Amigos, onde se encontram, hoje, a equidade, a eficiência, a simplicidade e a estabilidade, de que se arrogavam os legisladores de então, decorridos pouco mais de vinte anos após a entrada em vigor deste Código, o qual sofreu, durante este período, tão inúmeras alterações que já lhes perdemos a conta?
Veja-se, também, e no que se relaciona com a legislação laboral, o seguinte comentário ao artigo 281.º - «Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho», do Código do Trabalho, do Dr. Abílio Neto, na sua obra Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar – Anotados, 2.ª Edição – Setembro de 2010, edição de Ediforum: “Numa área tão sensível e relevante como esta, a postura adoptada pelo legislador, ao criar uma autêntica ‘manta de retalhos’, é dificilmente compaginável com os interesses que visa acautelar”.
Com exemplos como os que acabamos de mencionar há ou não motivos para estarmos saudosos dos tempos em que os legisladores elaboravam leis e Códigos com “cabeça, tronco e membros” como era uso afirmar-se?
João Colaço