2007

Abril


AS AMEAÇAS, AMEAÇADORAS QUE NOS AMEAÇAM
Se os nossos Prezados Leitores analisarem, ainda que superficialmente, as afirmações...


Se os nossos Prezados Leitores analisarem, ainda que superficialmente, as afirmações, veiculadas pela comunicação social, produzidas pelos mais diversos comentadores, embora nos apeteça chamar-lhes, antes, opinadores, dado que muitas das vezes o que vem a público não passam de meras opiniões, em lugar de comentários sobre questões que se encontram em debate, verificarão que existem, pelo menos, duas fontes de pensamento divergentes no que se refere ao modo como deve actuar a Administração Tributária.

Uma dessas fontes, ou corrente de pensamentos, defende, e no nosso entender, é a base mais correcta, que não se devem tripudiar os princípios que nos regem, nomeadamente os princípios constitucionais, vejam-se, nomeadamente, os artigos 32.º, 103.º e 104.º, da Constituição da República:

Assim, dispõe o n.º 2 do artigo 32.º «Garantias do processo criminal», que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

O artigo 103.º - «Sistema fiscal», preconiza que “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Por sua vez, o artigo 104.º - «Impostos”, estipula que “O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”.

Pois é, Caros Leitores, estes preceitos constam do texto daquele que é o principal pilar do edifício legislativo que a todos nos rege, quer como simples cidadãos, quer como sujeitos passivos (pessoas singulares ou pessoas colectivas), dos diversos impostos e taxas.

Existe, porém, outra corrente, que tem vindo, paulatinamente, a sobrepujar-se a estes princípios constitucionais, a coberto do que é apelidado de superior interesse nacional e clamando que se impõe uma luta sem tréguas contra a fraude e evasão fiscais.

Sem pôr em causa, obviamente, a justeza desta luta, e lamentando que tenha existido um hiato de mais de uma dezena de anos em que, praticamente, nada se fez nesta matéria, não podemos, porém, deixar passar em claro que o que se passa, hoje em dia, é por demais violento já que, tal como refere o velho ditado, “atrás de mim virá quem bom de mim fará”, algumas pessoas começam a ter saudades do modo como a Administração Fiscal, no tempo do Código da Contribuição Industrial, utilizava o antigo poder discricionário.

Pensamos que existirão muitos e muitos funcionários da Administração Tributária que certamente compartilharão deste nosso desabafo e deste nosso temor, e por compreenderem o que foi escrito no Código do IRC – Comentado e Anotado, edição de 1990, da DGCI, no comentário ao artigo 23.º - «Custos ou perdas», deste Código – “Uma das inovações deste artigo é o abandono do poder discricionário que era conferido à Administração Fiscal pelo artigo 26.º do CCI, de fixar para os custos ou perdas os limites quantitativos, por ela tidos como razoáveis para a obtenção dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, poder esse que esteve na origem de vários litígios entre a Administração e os contribuintes”.

Ora o que hoje se passa é, de longe, muito mais gravoso para os contribuintes, a serem notificados, quantas vezes, para pagarem o que já pagaram, principalmente no que concerne à Segurança Social, mas não só. Também para os Técnicos Oficiais de Contas, que vêem cada vez mais diminuídas as suas garantias, e acrescidas quer as suas responsabilidades técnicas quer como, pasme-se, solidariamente com as entidades a quem prestam os seus serviços, ainda que não tenha existido dolo ou, eventualmente, negligência.

É devido a este clima de temor generalizado que escolhemos o título em epígrafe, pois nós, TOC, estamos perante ameaças, ameaçadoras, que nos ameaçam...

João Colaço