Rendimentos em espécie
Atendendo que nos são suscitadas, amiúde, dúvidas acerca da atribuição de rendimentos em espécie e quais os procedimentos a serem seguidos, decidimos elaborar o presente Tome Nota, com o intuito de tentarmos esclarecer algumas das situações que normalmente nos colocam.
Aproveitamos desde já o ensejo para referir que em virtude da publicação da Portaria n.º 30-A/2019, de 23 de Janeiro – Alterações às instruções de preenchimento da Declaração Mensal de Remunerações (DMR), o n.º 4 do Ofício Circulado n.º 20204, de 2019.01.25, da DSIRS, veio clarificar o seguinte: “Efetuou-se o desdobramento do atual código A5 – Rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação, mas não sujeitos a retenção na fonte nos termos do n.º 1 do artigo 99.º do Código do IRS, nos códigos A63 a A67, no sentido de cada uma das naturezas dos rendimentos atualmente incluídos no código !5 passe a ser comunicada na DMR de forma autónoma. Esta alteração resulta da necessidade de autonomizar os rendimentos previstos no artigo 43.º-C do EBF (aditado pela Lei n.º 114/2017, de 29/12), para facilitar a sua tributação de acordo com o referido normativo legal”.
Os códigos acima mencionados (A63 a A67) referem-se a alguma das situações mais frequentes da atribuição de rendimentos em espécie, e a cuja análise vamos de seguida proceder:
A utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal.
Os empréstimos sem juros ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operação em causa.
A atribuição de valores mobiliários (normalmente, ações) a condições vantajosas para os trabalhadores ou a membros de órgãos sociais.
A utilização pessoal pelo trabalhador ou membro de órgão social de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal.
Aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal.
Analisemos, então, cada uma destas situações.
Utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal
O n.º 4 da alínea b) do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS, dispõe que são considerados ainda rendimentos do trabalho dependente os subsídios de residência ou equivalentes ou a utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 24.º estabelece, nomeadamente, a forma de calcular o rendimento coletável na esfera do trabalhador, estipulando que o rendimento em espécie corresponde à diferença entre o valor do respetivo uso e a importância paga a esse título pelo beneficiário, e que, não havendo renda, o valor do uso é igual ao valor da renda condicionada, determinada segundo os critérios legais, não devendo, porém, exceder um terço do total das remunerações auferidas pelo beneficiário.
Dado que se trata de um rendimento em espécie, não está sujeito a retenção na fonte, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS, devendo, contudo, o respetivo valor constar do recibo de remuneração e da DMR com o código A63.
Note-se que este rendimento em espécie é alvo de tributação em sede da Segurança Social, conforme o previsto na alínea m) do n.º 2 do artigo 46.º - Delimitação da base de incidência contributiva, do Código dos Regimes Contributivos.
Empréstimos, sem juros, ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operação em causa
De acordo com o disposto no n.º 5 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º, do CIRS, são também considerados rendimentos de trabalho dependente os resultantes de empréstimos sem juros ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operação em causa, concedidos ou suportados pela entidade patronal, com exceção dos que se destinem à aquisição de habitação própria permanente de valor não superior a € 180.426,40 e cuja taxa não seja inferior a 70% da taxa mínima de proposta aplicável às operações principais de refinanciamento pelo Banco Central Europeu, ou de outra taxa legalmente fixada como equivalente.
O cálculo do rendimento é feito do modo seguinte:
No caso de empréstimos concedidos pela entidade patronal sem juros ou a taxa de juro reduzida, o rendimento é calculado subtraindo o resultado da aplicação ao respetivo capital da taxa de juro que eventualmente seja suportada pelo beneficiário, ou
Ao resultado do valor obtido por aplicação a esse capital da taxa de juro de referência para o tipo de operação em causa, publicada anualmente por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou
Na falta de publicação da portaria acima referida, 70% da taxa mínima de proposta aplicável às operações principais de refinanciamento pelo Banco Central Europeu, ou de outra taxa legalmente fixada como equivalente, do primeiro dia útil do ano a que respeitam os rendimentos.
No caso de empréstimos concedidos ao trabalhador por outras entidades, o rendimento corresponde à parte dos juros suportado pela entidade patronal.
Dado que se trata de um rendimento em espécie, o mesmo não está sujeito a retenção na fonte (alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS), devendo o mesmo ser inscrito no recibo de remuneração e constar da DMR, sob o código A64, assim como do documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, a entregar ao sujeito passivo, até 20 de Janeiro de cada ano.
Este rendimento em espécie não está sujeito a tributação em segurança social, pois não se encontra previsto no artigo 46.º do Código dos Regimes Contributivos
Atribuição de valores mobiliários (normalmente, ações) a condições vantajosas para os trabalhadores ou membros de órgãos sociais
Segundo o n.º 7 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º são considerados rendimentos do trabalho dependente os ganhos derivados de planos de opções, de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente, sobre valores mobiliários ou direitos equiparados criados em benefício de trabalhadores ou de membros de órgãos sociais…
Não podemos, porém, deixar de ter em atenção o disposto no artigo 43.º-C – Incentivo fiscal à aquisição de participações sociais pelos trabalhadores, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
A doutrina constante do processo 3545/2002, com despacho concordante do Sr. Diretor-Geral, de 2004-05–17, exarado no parecer n.º 44/2004, do Centro de Estudos Fiscais, clarifica “que a subscrição de ações, pelos trabalhadores de determinada sociedade, em condições privilegiadas (abaixo do valor de mercado), tem subjacente a existência de um vínculo laboral, constituindo um benefício auferido em razão da prestação do trabalho, sendo um rendimento do trabalho dependente enquadrável no artigo 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 7 do CIRS.
Nesta situação devem ser aplicadas as regras de tributação definidas para a categoria de rendimentos do trabalho dependente havendo, no entanto, dispensa de retenção na fonte do imposto, ao abrigo do artigo 99.º, n.º 1 do CIRS.”
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 24º do CIRS, o momento em que se consideram obtidos os ganhos, resultantes da aquisição das ações, é o da subscrição.
Note-se, porém, que os ganhos obtidos, posteriormente, com a alienação das ações consubstanciam mais-valias a tributar de acordo com o regime geral e são constituídos pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, tal como se encontra previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 10º do CIRS.
Atendendo de que se trata de um rendimento em espécie, e perdoe-se-nos a redundância, o mesmo não está sujeito a retenção na fonte (alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS), devendo o mesmo ser inscrito no recibo de remuneração e constar da DMR, sob o código A65, assim como do documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, a entregar ao sujeito passivo, até 20 de Janeiro de cada ano.
No que concerne à Segurança Social, nos termos do disposto na alínea j) do artigo 48.º - Valores excluídos da base de incidência, do Código Contributivo, não integram a base de incidência contributiva as importâncias respeitantes ao desconto concedido aos trabalhadores na aquisição de ações da própria entidade empregadora.
Utilização pessoal pelo trabalhador ou membro de órgão social de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal
De acordo com o disposto no n.º 9 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, são também considerados rendimentos de trabalho dependente, os resultantes da utilização pessoal pelo trabalhador ou membro de órgão social de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal, quando exista acordo escrito entre o trabalhador ou membro do órgão social e a entidade patronal sobre a imputação àquele da referida viatura automóvel.
A doutrina constante do Processo: 2364/2018, com despacho concordante da Subdiretora Geral do IR, de 18-09-2018, clarifica que em sede de IRS, considera-se rendimento de trabalho dependente, a título de remuneração acessória, o que resulta da utilização pessoal pelo trabalhador de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal, quando exista acordo escrito entre o trabalhador e a entidade patronal sobre a imputação àquele da referida viatura automóvel, de acordo com o estipulado na subalínea 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.
Por conseguinte, na esfera do trabalhador esse rendimento de trabalho dependente, que tem a natureza de rendimento em espécie, é apurado anualmente nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do Código do IRS, ou seja, o rendimento anual corresponde ao produto de 0,75 % do valor de mercado da viatura, reportado a 1 de janeiro do ano em causa, pelo número de meses de utilização da mesma.
Na determinação do rendimento, o n.º 7 do artigo 24.º considera como valor de mercado o que corresponder à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização acumulada constante de tabela aprovada pela Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio.
Como se trata de um rendimento em espécie, o mesmo não está sujeito a retenção conforme determina o n.º 1 do artigo 99.º do CIRS, devendo, porém, constar do recibo de remuneração e da DMR com o código A66.
No que concerne à Segurança Social, de acordo com o disposto na alínea s) do n.º 2 do artigo 46.º - Delimitação da base de incidência contributiva, e no n.º 1 do artigo 46.º-A – Uso pessoal de viatura automóvel, ambos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), integra a base de incidência contributiva.
O n.º 4 do artigo 46.º-A estabelece que o valor sujeito a incidência contributiva corresponde a 0,75% do custo de aquisição da viatura.
Não podemos deixar de salientar a dicotomia no que se refere à base de incidência para efeitos de IRS e da Segurança Social. No caso do IRS o rendimento corresponde à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização acumulada constante de tabela aprovada pela portaria n.º 383/2003, de 14 de maio.
Note-se que em qualquer caso, por forma a assegurar que a viatura adquirida pelo trabalhador ou membro de órgão social mantenha um valor residual mínimo, da aplicação do coeficiente de desvalorização constante da tabela, nunca poderá resultar um valor inferior a 10% do seu valor de aquisição no ano da matrícula.
No que concerne à Segurança Social, o valor sujeito a incidência contributiva corresponde a 0,75% do custo de aquisição da viatura, sem qualquer desvalorização, independentemente do número de anos da mesma.
Aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal
De acordo com o disposto no n.º 10 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, são ainda considerados rendimentos do trabalho dependente os resultantes da aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal.
Na determinação do rendimento, o n.º 6 do artigo 24.º estabelece que no caso de aquisição de viatura pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento corresponde à diferença positiva entre o respetivo valor de mercado e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.
Por sua vez, o n.º 7 deste artigo 24.º estabelece que na determinação dos rendimentos previstos nos n.ºs 5 e 6, considera-se valor de mercado o que corresponder à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização acumulada constante de tabela aprovada pela Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio.
Salientamos, ainda, que de acordo com o n.º 13 do artigo 24.º, para efeitos do n.º 10 da alínea b) do n.º 3, presume-se que a viatura foi adquirida pelo trabalhador ou membro do órgão social, quando seja registada no seu nome, no de qualquer pessoa que integre o seu agregado familiar ou no de outrem por si indicada, no prazo de dois anos a contar do exercício em que a viatura deixou de originar encargos para a entidade patronal.
Como se trata de um rendimento em espécie, o mesmo não está sujeito a retenção na fonte conforme determina o n.º 1 do artigo 99.º do CIRS, devendo, porém, constar do recibo de remuneração e da DMR com o código A67.
João Colaço