Tome Nota

Relatório da Gestão


A constante evolução da atividade económica, ao redundar na correspondente abertura dos mercados, entre os quais o financeiro, originou que se tornasse obrigatória a disponibilização de informação, que deverá ser prestada pelas entidades aos mais diversos utentes, entre os quais não será despiciendo salientar os sócios (acionistas), assim como outros destinatários, nomeadamente potenciais investidores, instituições de crédito, clientes, fornecedores, trabalhadores e os próprios Serviços: Administração Tributária, Estatística, Entidades Reguladoras, entre outros.

Como se verifica, rapidamente se passou do conceito de que “o segredo é a alma do negócio”, para o conceito de que “a informação e o conhecimento são a alma do negócio”. É devido a esta constante evolução que tem sido publicada a mais variada legislação obrigando ao aprofundamento da prestação de informação de cariz contabilístico e societário.

Apesar do que acabamos de referir, recordamos que o Código Comercial (perto de comemorar o seu 130.º aniversário…) no n.º 4.º do seu artigo 18.º, e no artigo 62.º, estipulam, respetivamente, que os comerciantes são especialmente obrigados a dar balanço e a prestar contas e que tal deve ocorrer nos três primeiros meses do ano imediato.

Ora, no que concerne a prestar contas, e de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), um conjunto completo de demonstrações financeiras inclui um balanço, uma demonstração dos resultados por naturezas, uma demonstração das alterações no capital próprio, uma demonstração dos fluxos de caixa e um anexo em que se divulguem as bases de preparação e políticas contabilísticas adotadas e outras divulgações.

O Código das Sociedades Comerciais (CSC), por sua vez, estabelece no seu artigo 65.º, que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade e por este apreciados, salvo casos particulares previstos na lei, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência patrimonial, o relatório de gestão, incluindo a demonstração não financeira, as contas do exercício, bem como os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual.

O relatório de gestão e as contas do exercício devem ser assinados por todos os gerentes ou membros da administração que estiverem em funções ao tempo da apresentação, mas os antigos gerentes ou membros da administração devem prestar todas as informações que para esse efeito lhes forem solicitadas, relativamente ao período em que exerceram aquelas funções, devendo a recusa de assinatura por qualquer deles ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções.

Como iremos verificar, é nítida a preocupação de que o relatório da gestão contenha a maior quantidade possível de informação relevante, o que permitirá aos utilizadores das demonstrações financeiras um conhecimento mais aprofundado da situação concreta da respetiva entidade, pelo que os administradores ou gerentes, com a indispensável ajuda dos seus mais diretos colaboradores, entre os quais se encontrarão, certamente, os Contabilistas Certificados, deverão explanar como decorreu a atividade da empresa até ao final do exercício de que estão a prestar contas assim como os acontecimentos posteriores, até à data da convocação da assembleia geral que irá apreciar o referido relatório de gestão, balanço, demonstração dos resultados e o correspondente anexo e demais documentos de prestação de contas.

O artigo 66.º do CSC refere que o relatório da gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta, devendo esta análise abranger tanto os aspetos financeiros como, quando adequado, referências de desempenho não financeiras relevantes para as atividades específicas da sociedade, incluindo informações sobre questões ambientais e questões relativas aos trabalhadores.

O relatório deve indicar, em especial, a evolução da gestão nos diferentes setores em que a sociedade exerceu atividade, designadamente no que respeita a condições do mercado, investimentos, custos, proveitos e atividades de investigação e desenvolvimento; os factos relevantes ocorridos após o termo do exercício; a evolução previsível da sociedade; o número e o valor nominal ou, na falta de valor nominal, o valor contabilístico das quotas ou ações próprias adquiridas ou alienadas durante o período, a fração do capital subscrito que representam, os motivos desses atos e o respetivo preço, bem como o número e valor nominal ou contabilístico de todas as quotas e ações próprias detidas no fim do período; as autorizações concedidas a negócios entre a sociedade e os seus administradores, nos termos do artigo 397.º; uma proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada; a existência de sucursais da sociedade; os objetivos e as políticas da sociedade em matéria de gestão dos riscos financeiros, incluindo as políticas de cobertura de cada uma das principais categorias de transações previstas para as quais seja utilizada a contabilização de cobertura, e a exposição por parte da sociedade aos riscos de preço, de crédito, de liquidez e de fluxos de caixa, quando materialmente relevantes para a avaliação dos elementos do ativo e do passivo, da posição financeira e dos resultados, em relação com a utilização dos instrumentos financeiros.

Note-se que existindo informações a prestar sobre matérias ambientais e estas forem relevantes para o desempenho e posição financeira da entidade ou para o seu desenvolvimento, o relatório de gestão deverá incluir uma descrição dessas matérias e incluir uma análise objetiva da evolução e situação das atividades da entidade, na medida em que sejam suscetíveis de ser diretamente afetadas por matérias ambientais, devendo, para o efeito, efetuar as divulgações previstas no parágrafo 48 da NCRF 26.

Analisemos, agora, e relativamente a um possível incumprimento das disposições acima citadas, como deve ser sanada tal falta. É o artigo 67.º que preconiza que se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65.º, n.º 5, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito.

O juiz, ouvidos os gerentes ou administradores e considerando procedentes as razões invocadas por estes para a falta de apresentação das contas, fixa um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que eles as apresentem. Se as contas do exercício e os demais documentos elaborados pelo gerente ou administrador nomeado pelo tribunal não forem aprovados pelo órgão competente da sociedade, pode, aquele, ainda nos autos de inquérito, submeter a divergência ao juiz, para decisão final.

Quando, sem culpa dos gerentes ou administradores, nada tenha sido deliberado sobre as contas e os demais documentos por eles apresentados, pode um deles ou qualquer sócio requerer ao tribunal a convocação da assembleia geral para aquele efeito. Se na assembleia convocada judicialmente as contas não forem aprovadas ou rejeitadas pelos sócios, pode qualquer interessado requerer que sejam examinadas por um revisor oficial de contas independente; o juiz, não havendo motivos para indeferir o requerimento, nomeará esse revisor e, em face do relatório deste, do mais que dos autos constar e das diligências que ordenar, aprovará as contas ou recusará a sua aprovação.

Por sua vez, o artigo 68.º estipula que não sendo aprovada a proposta dos membros da administração relativa à aprovação das contas, deve a assembleia geral deliberar que se proceda à elaboração total de novas contas ou à reforma, em pontos concretos, das apresentadas. Os membros da administração, nos oito dias seguintes a esta deliberação, podem requerer inquérito judicial, em que se decida sobre a reforma das contas apresentadas, a não ser que a reforma deliberada incida sobre juízos para os quais a lei não imponha critérios.

Um pormenor que não podemos deixar de salientar é a situação prevista no artigo 69.º - Regime especial de invalidade das deliberações, o qual estipula que são anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios, quando o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas tenham sido elaborados com violação dos preceitos legais. Repare-se que o que se pretende, com esta medida, é que exista não só o maior cuidado na elaboração daqueles documentos como a exigência de que não houve preterição de nenhum dos requisitos a que os mesmos devem obedecer.

Sem prejuízo de melhor opinião entendemos que basta ser omitida, no relatório de gestão, alguma das informações exigidas no artigo 66.º do CSC (desde que existam), para que seja considerado que o mesmo não foi apresentado, pelo que se considerarão verificadas as circunstâncias referidas neste artigo assim como na alínea c) do número 1 do artigo 58.º - «Deliberações anuláveis», que estipula: “São anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento aos sócios de elementos mínimos de informação”.

Repare-se, aliás, no teor do Acórdão da Relação de Lisboa, de 22 de Março de 1994: “Por falta de elaboração do relatório de gestão, são anuláveis as deliberações sobre a aprovação do balanço e contas de exercício, a distribuição de resultados, a transferência do saldo da conta de resultados transitados para a conta de reservas livres e o aumento de capital social, sendo irrelevante, para o efeito, que todos os sócios sejam gerentes”.

É igualmente anulável a deliberação que aprove contas em si mesmo irregulares, mas o juiz, em casos de pouca gravidade ou fácil correção, só decretará a anulação se as contas não forem reformadas no prazo que fixar. Produz, contudo, nulidade a violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a proteção dos credores ou do interesse público, pelo que que, sendo inválida a aprovação das contas, deixa de ser possível a atribuição de lucros ou qualquer distribuição de resultados.

Vejamos, agora, a redação do artigo 70.º, cuja anterior designação era «Depósitos», após as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 8/2007, de 17 de Janeiro, e 85/2009, de 12 de Agosto, que criou a informação empresarial simplificada (IES) e eliminou e simplificou diversos atos no sector do registo comercial e dos atos notariais conexos.

Assim, o artigo 70.º - Prestação de contas, prescreve que a informação respeitante às contas do exercício e aos demais documentos de prestação de contas, devidamente aprovados, está sujeita a registo comercial, nos termos da lei respetiva. A sociedade deve disponibilizar aos interessados, sem encargos, no respetivo sítio da Internet, quando exista, e na sua sede, cópia integral dos seguintes documentos: a) Relatório de gestão; b) Relatório sobre a estrutura e as práticas de governo societário, quando não faça parte integrante do documento referido na alínea anterior; c) Certificação legal das contas; d) Parecer do órgão de fiscalização, quando exista.

Note-se que, após a aprovação dos documentos atrás referidos, a IES constitui a nova forma de entrega de informação de natureza fiscal, contabilística e estatística sobre as contas de empresas, agregando, num único ato, o cumprimento de quatro obrigações legais diferentes – entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal, registo da prestação de contas, prestação de informação de natureza estatística ao Instituto Nacional de Estatística (INE) e prestação de informação relativa a dados contabilísticos anuais para fins estatísticos ao Banco de Portugal - e dessa forma evitando que as empresas tenham de prestar informação materialmente idêntica a diferentes entidades públicas por quatro vias distintas.

Porém, a ata de aprovação de contas, o relatório de gestão, e, quando existirem, a certificação legal das contas e o parecer do órgão de fiscalização, devem ser disponibilizados a quem neles tiver interesse, sem encargos, no respetivo sítio da Internet, quando exista, e na sua sede social, cópia integral destes documentos.

Atente-se, no entanto, ao teor da FAQ n.º 19, colocada à Comissão de Normalização Contabilística, e respetiva resposta. Pergunta: A obrigação prevista no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho (conjunto de demonstrações financeiras previsto no SNC), com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, pode considerar-se cumprida mediante a constituição do dossiê fiscal e da entrega da declaração da IES?

Resposta: Importa ter em atenção que não se deve confundir o cumprimento das obrigações para finalidades tributárias e outras com o das obrigações de índole contabilística para efeitos societários. Normalmente, o cumprimento das obrigações em matéria de normalização contabilística para fins societários deve preceder o cumprimento das obrigações para finalidades tributárias e outras. Acresce que a quantidade e detalhe das informações exigidas para essas duas finalidades, não são justapostas. Assim, a CNC entende que os documentos que constituam o dossiê fiscal e a declaração da IES não substituem os documentos exigidos pelo art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho. (Nota: tal como referimos logo na parte inicial deste trabalho, os referidos documentos são: a) Balanço; b) Demonstração dos resultados por naturezas; c) Demonstração das alterações no capital próprio; d) Demonstração dos fluxos de caixa; e) Anexo).

Outro articulado que deve merecer a nossa atenção é o artigo 263.º - Relatório de gestão e contas do exercício, o qual estabelece que o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios, na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida a convocação para a assembleia destinada a apreciá-los; os sócios serão avisados deste facto na própria convocação, sendo desnecessária outra forma de apreciação ou deliberação quando todos os sócios sejam gerentes e todos eles assinem, sem reservas, o relatório de gestão, as contas e a proposta sobre aplicação de lucros e tratamento de perdas.

Salientamos que os responsáveis da empresa pela elaboração destes documentos devem ter a noção de que o incumprimento destas disposições pode inviabilizar a realização da assembleia, ou mesmo levar à sua impugnação, se ela for levada a efeito sem que tenham sido cumpridos os seus requisitos, com os consequentes ónus e o descrédito tanto dos responsáveis como da própria empresa.

Continuando a citar algumas das disposições em que a elaboração e a apresentação do Relatório da gestão é mencionado como um dos deveres que obrigatoriamente deverá ser cumprido, pelos administradores ou gerentes das respetivas entidades, vamos observar esta questão no que se refere às sociedades unipessoais por quotas.

Assim, o artigo 270.º-F - Contrato do sócio com a sociedade unipessoal, dispõe que os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade devem servir a prossecução do objeto da sociedade, obedecendo à forma legalmente prescrita e, em todos os casos, devem observar a forma escrita. Os documentos de que constam os negócios jurídicos celebrados pelo sócio único e a sociedade devem ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas, podendo qualquer interessado, a todo o tempo, consultá-los na sede da sociedade. A violação destas disposições implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio.

Cremos que é compreensível que seja exigido às sociedades unipessoais por quotas exigências idênticas às dos restantes tipos de sociedades. Assim, e uma vez mais, se comprova que imprescindivelmente têm de ser elaborados, por todas as sociedades, qualquer que seja a personalidade jurídica adotada, o relatório da gestão (elaborado de acordo com o estabelecido no artigo 66.º do CSC), as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas.

Vejamos, agora, o que dispõem, respetivamente, os números 1, 2 e a alínea e) do n.º 3, do artigo 451.º - Exame das contas nas sociedades com conselho fiscal e com comissão de auditoria – 1. Até 30 dias antes da data da assembleia geral convocada para apreciar os documentos de prestação de contas, o conselho de administração deve apresentar ao conselho fiscal e ao revisor oficial de contas o relatório da gestão e as contas do exercício. 2. O membro do conselho fiscal que for revisor oficial de contas ou, no caso das sociedades que adotem as modalidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 278.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 413.º, o revisor oficial de contas deve apreciar o relatório de gestão e completar o exame das contas com vista à sua certificação legal. Alínea e) do n.º 3 - Um parecer em que se indique se o relatório de gestão é ou não concordante com as contas do exercício, se o relatório de gestão foi elaborado de acordo com os requisitos legais aplicáveis e se, tendo em conta o conhecimento e a apreciação da empresa, identificou incorreções materiais no relatório de gestão, dando indicações quanto à natureza das mesmas.

Como se verifica, o revisor oficial de contas deve emitir um parecer em que saliente se o relatório de gestão é ou não concordante com as contas do exercício. Tal significa, como temos vindo sistematicamente a mencionar neste Tome Nota, a importância primordial de que se reveste o relatório de gestão, documento este que não tem merecido a atenção que lhe é devida, mas que, estamos crentes, a pouco e pouco acabará por ganhar o estatuto a que tem direito.

Finalizamos, com uma menção especial às microentidades, recordando que o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2013/34/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, entre outras alterações, aditou o n.º 6 ao artigo 66.º do CSC, com a seguinte redação: “Ficam dispensadas da obrigação de elaborar o relatório de gestão as microentidades, tal como definidas no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, alterado pela Lei n.º 20/2010, de 23 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de Março, e pelas Leis n.ºs 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e 83-C/2013, de 31 de Dezembro, desde que procedam à divulgação, quando aplicável, no final do balanço, das informações mencionadas na alínea d) do n.º 5 do presente artigo (número e valor nominal ou, na falta de valor nominal, valor contabilístico das quotas ou ações próprias adquiridas ou alienadas durante o período, a fração do capital subscrito que representam, os motivos desses atos e o respetivo preço, bem como o número e valor nominal ou contabilístico de todas as quotas e ações próprias detidas no fim do período).”

Deve, pois, ser tido em atenção que as microentidades estão dispensadas da obrigação de elaborar o relatório da gestão, desde que procedam à divulgação, quando aplicável, no final do balanço, das informações relativas às quotas e ações próprias. 

João Colaço