Tome Nota

O IVA na transmissão de viaturas ligeiras de passageiros


Por estarmos crentes de que subsistem muitas dúvidas no tratamento, em sede do IVA, das transmissões de viaturas ligeiras de passageiros posteriores à primeira aquisição das mesmas, vimos, através destas anotações, dar o nosso contributo, embora sem prejuízo de melhor opinião, para uma melhor compreensão desta matéria.

Começamos por recordar que de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º - Exclusões do direito à dedução, do Código do IVA, exclui-se do direito à dedução o imposto contido nas despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;

Por sua vez, a alínea a) do n.º 2 deste mesmo articulado estabelece que não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução no caso de despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objeto de atividade do sujeito passivo.

Vejamos, também, o preconizado pela seguinte doutrina:

O Ofício-Circulado no 62326, de 15/07/1987, da Direção de Serviços do IVA, “Transmissão de bens do ativo imobilizado – Isenções”, estabelece no seu ponto 2.3, que são isentos os «Bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º (viaturas de turismo, barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos, bem como imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, previstos, respetivamente nas alíneas a) a d) do referido n.º 1 do artigo 21.º) - artigo 9.º, n.º 32».


Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária

Diploma: CIVA
Artigo: n.º 32 do artigo 9.º
Assunto: Isenções – Transmissões de uma viatura ligeira de passageiros afeta a uma atividade cuja aquisição foi feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º
Processo: nº 3415, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-07-06.

Conteúdo:
Tendo por referência o pedido de informação vinculativa solicitada, ao abrigo do art.º 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), por « ….A…», presta-se a seguinte informação.

OS FACTOS E O PEDIDO

1. O requerente possui uma viatura ligeira de passageiros afeta à sua atividade, não tendo deduzido o IVA na aquisição, por força da alínea a) do nº 1 do art.º 21.º do CIVA. Pretende vender a viatura, pelo que solicita esclarecimento quanto à aplicação do n.º 32 do art.º 9.º do CIVA.

ENQUADRAMENTO FACE AO CIVA

2. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, do Código do IVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, "As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal".

3. Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, cf. n.º 1 do artigo 3.º, do Código do IVA.

4. No entanto, dispõe o n.º 32 do artigo 9.º, do Código do IVA, que estão isentas de imposto "As transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º".

5. No caso apresentado, dado tratar-se de uma viatura cuja aquisição foi feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, na transmissão subsequente não há lugar a liquidação de imposto, uma vez que, de acordo com o n.º 32 do art.º 9.º do CIVA, esta transmissão está isenta de imposto.

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Debruçando-nos sobre a questão contabilística, salientamos que a alínea a) do parágrafo 17 - Elementos do custo, da NCRF n.º 7 - Ativos Fixos Tangíveis, estipula que «O custo de um item do ativo fixo tangível compreende o seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos».

Por sua vez, as notas de enquadramento do Código de contas, do SNC, no que concerne à conta 243 — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA), referem que esta conta se destina a registar as situações decorrentes da aplicação do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Note-se que já anteriormente à adoção do SNC, nas notas explicativas do Plano Oficial de Contabilidade (POC), relativamente à conta 2431 – IVA Suportado, era referido que esta conta, de uso facultativo, era debitada pelo IVA suportado em todas as aquisições de existências, imobilizado ou outros bens e serviços.

Creditava-se por contrapartida das respectivas subcontas da conta 2432 – IVA Dedutível e/ou, quanto às parcelas de imposto não dedutível, por contrapartida das contas inerentes às respectivas aquisições ou da rubrica 6312 – Imposto sobre o Valor Acrescentado, quando fosse caso disso (nomeadamente por dificuldades de imputação a custos específicos).

Também o n.º 4 do artigo 2.º - «Valorimetria dos elementos depreciáveis ou amortizáveis», do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, estipula: “No custo de aquisição ou de produção inclui-se o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que, nos termos legais, não for dedutível, designadamente em consequência de exclusão do direito à dedução”.

Ora, atendendo a estes normativos, e no que se refere à aquisição de uma viatura ligeira de passageiros, por exemplo no valor de 20.000 euros, se na respetiva fatura é liquidado o correspondente IVA, no montante de 4.600 euros, a contabilização a ser efetuada, salvo melhor opinião, é a seguinte:

Debita-se a conta 2431 - Estado e outros entes públicos - Imposto sobre o valor acrescentado - IVA Suportado - AFT (viatura ligeira de passageiros), no montante de 4.600€, e a conta 434 - Ativos fixos tangíveis - Equipamento de transporte (viatura ligeira de passageiros), no montante de 20.000€, por crédito da conta 2711 - Outras contas a receber e a pagar - Fornecedores de investimentos - Fornecedores de investimentos - contas gerais, pelo montante de 24.600€.

Seguidamente, debita-se a conta 434 - Ativos fixos tangíveis - Equipamento de transporte (viatura ligeira de passageiros), por crédito da conta 2431 - Estado e outros entes públicos - Imposto sobre o valor acrescentado - IVA Suportado - AFT (viatura ligeira de passageiros), pelo montante de 4.600€, ficando assim esta conta 2431 saldada.

Note-se que estes lançamentos são essenciais para o cumprimento do disposto no artigo 51.º - Registo dos bens de investimento, do CIVA, nomeadamente no seu n.º 1, que estabelece que “os sujeitos passivos que possuam contabilidade organizada para efeitos do IRS ou IRC ou nos termos do n.º 2 do artigo 50.º são obrigados a efetuar registo dos seus bens de investimento, de forma a permitir o controle das deduções efetuadas e das regularizações processadas” e na alínea b) do seu n.º 2, o qual estipula que este registo deve conter por cada um dos bens, designadamente, o “valor do imposto suportado”.

Embora, após os lançamentos acima sugeridos, a conta 434 passe a registar o valor total da aquisição (no caso, 24.600€), na ficha do imobilizado encontra-se evidenciado o valor do IVA suportado e não deduzido, o que permitirá numa posterior alienação não se efetuar a liquidação do IVA, com base no disposto no n.º 32 do artigo 9.º, como se encontra expresso nos respetivos articulados e na doutrina acima transcrita.


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Estamos crentes de que não subsistirão dúvidas quanto à isenção de IVA nas transmissões de viaturas ligeiras de passageiros ao abrigo do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA.

Permitimo-nos, agora, alertar para possíveis situações, que não serão tão raras quanto isso, e que poderão deixar-nos duvidosos quanto ao seu tratamento.

Por exemplo, quando é adquirida uma viatura a um vendedor que aplicou o Regime Especial de Tributação de Bens em 2.ª Mão, regime este aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, este não discrimina o respetivo imposto, na fatura, devendo esta conter a menção «Regime da margem de lucro - Bens em segunda mão», conforme dispõe o n.º 1 do artigo 6.º do supra referido Regime.

Por sua vez o adquirente não pode proceder à dedução do IVA, que embora não se encontre expresso na fatura, faz parte do respetivo preço, atendendo ao disposto no n.º 3 do artigo 5.º deste Regime – “O imposto liquidado pelo sujeito passivo revendedor nas transmissões de bens sujeitas ao regime especial de tributação da margem não é dedutível pelo sujeito passivo adquirente, ainda que este destine esses bens à sua atividade tributada”.

Assim, se posteriormente esta viatura for transmitida, deverá ser liquidado o correspondente IVA.

Também no caso em que a venda de uma viatura ligeira pertencente ao AFT de uma empresa, que tenha sido adquirida a um particular, a transmissão será tributada independentemente da venda ser efetuada a um outro particular ou a uma empresa.
Uma outra hipótese, ainda, é o caso de uma viatura pertencente ao AFT da empresa ter sido adquirida sem imposto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA (incluída numa transmissão da totalidade de um património), pelo que uma posterior transmissão será igualmente tributada, qualquer que seja o adquirente.

Existirão, certamente, variadas outras situações, mas que não nos acodem agora à memória, pelo que solicitamos que nos seja relevada tal falha, e esperando que nos seja perdoada a redundância, não resistimos a deixar aqui expresso, antes de finalizarmos, o seguinte exemplo:

Uma empresa, sujeito passivo de imposto, no regime normal, adquire uma viatura ligeira de passageiros, nova, a um stand, e não deduz o IVA, por essa dedução lhe estar vedada pelo n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.

Decorridos alguns anos, vende essa viatura a outra empresa, que também ela se encontra registada em IVA no regime normal, e na fatura inscreve a menção “IVA - Isento ao abrigo do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA”.

Esta segunda empresa, decorrido algum tempo, vende a viatura a uma terceira empresa, registada em IVA no regime normal, e, na fatura da venda, como tinha adquirido a viatura sem IVA, liquida IVA sobre o montante da venda.

A terceira empresa, como não pode deduzir o IVA acresceu-o ao montante do custo da aquisição. Mais tarde, ao vender essa mesma viatura a uma quarta empresa, também ela registada em IVA no regime normal, inscreve na fatura da transmissão “IVA – Isento ao abrigo do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA”.

Esta última empresa, como adquiriu a viatura sem IVA, ao vendê-la, mais tarde, liquidará o IVA sobre o montante da venda, e assim sucessivamente.

Ficamos na expetativa de que este modesto trabalho tenha um mínimo de utilidade para quem o ler.

João Colaço