Quotas (ações) próprias
Dado que, no decorrer da nossa vida profissional, temos sido, amiúde, solicitados acerca dos procedimentos a serem seguidos, no caso de as sociedades adquirirem quotas, ou ações, próprias, vimos, através do presente Tome Nota, transmitir o que, sem prejuízo de melhor opinião, entendemos dever ser tido em atenção nestas situações.
Começamos por referir que o facto de uma sociedade adquirir quotas (ações) próprias não lhe dá direito a partilhar nos lucros que apure, conforme explicitaremos no decorrer deste trabalho.
Iniciamos a análise desta matéria recordando que o enquadramento legal para a aquisição de quotas próprias encontra-se previsto, essencialmente, nos artigos 220.º, 246.º e 324.º, e a aquisição de ações próprias encontra-se regulamentada nos artigos 316.º a 325.º-B, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Seguidamente permitimo-nos salientar que, de acordo com o n.º 1 do artigo 317.º do CSC, o contrato de sociedade pode proibir totalmente a aquisição de ações próprias ou reduzir os casos em que ela é permitida por esta lei.
Note-se que o artigo 220.º do CSC dispõe que a sociedade não pode adquirir quotas próprias não integralmente liberadas, salvo o caso de perda a favor da sociedade, previsto no artigo 204.º, ou seja quando os sócios não tenham procedido à realização das partes de capital subscritas, ou se, para esse efeito, ela dispuser de reservas livres em montante não inferior ao dobro do contravalor a prestar, sendo nulas as aquisições de quotas próprias com infração do disposto neste artigo. É, ainda, aplicável às quotas próprias o disposto no artigo 324.º - Regime das ações próprias.
Há que atender, também, que de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 246.º do CSC, dependem de deliberação dos sócios, a amortização de quotas, a aquisição, a alienação (independentemente do seu valor contabilístico ser superior) e a oneração de quotas próprias e o consentimento para a divisão ou cessão de quotas.
Referimos, atrás, o artigo 324.º. Este artigo estabelece que enquanto as ações (ou quotas) pertencerem à sociedade, devem considerar-se suspensos todos os direitos inerentes às ações, exceto o de o seu titular receber novas ações no caso de aumento de capital por incorporação de reservas e que obrigatoriamente deve tornar-se indisponível uma reserva de montante igual àquele por que elas estejam contabilizadas.
No que concerne aos registos contabilísticos a serem efetuados, aquando da aquisição de quotas (ações) próprias, começamos por recordar, que nos termos do parágrafo 9 da NCRF 27 – Instrumentos financeiros, esta operação deve ser contabilizada como dedução ao capital próprio e não como ativo, tal como se encontra descrito neste parágrafo – “No caso da entidade emitente ficar obrigada ou sujeita a uma obrigação de entregar dinheiro, ou qualquer outro ativo, por contrapartida de instrumentos de capital próprio emitidos pela entidade, o valor presente da quantia a pagar deverá ser inscrito no passivo por contrapartida de capital próprio, Caso cesse tal obrigação e não seja concretizado o referido pagamento, a entidade deverá reverter a quantia inscrita no passivo por contrapartida de capital próprio.”
Atente-se, também, ao que se encontra expresso nas notas de enquadramento, do Código de Contas do SNC, relativamente a esta matéria:
“52 - Ações (quotas) próprias
A conta 521 - Valor nominal, é debitada pelo valor nominal das ações ou quotas próprias adquiridas. Ainda na fase de aquisição, a conta 522 - Descontos e prémios, é movimentada pela diferença entre o custo de aquisição e o valor nominal.
Quando se proceder à venda das ações ou quotas próprias, para além de se efetuar o respetivo crédito na conta 521, movimentar-se-á a conta 522 pela diferença entre o preço de venda e o valor nominal.
Simultaneamente, a conta 522 deverá ser regularizada por contrapartida da conta 599 - Outras variações no capital próprio - Outras, de forma a manter os descontos e prémios correspondentes às ações (quotas) próprias em carteira.”
Assim, e de acordo com o referido nestas notas de enquadramento, quando se verificar a aquisição (note-se que esta aquisição deve ser reduzida a escrito, conforme estipula o n.º 1 do artigo 228.º do CSC), pela sociedade, de quotas (ações) aos sócios, a título oneroso, debita-se a conta 521 - Ações (quotas) próprias - Valor nominal, pelo respetivo valor nominal, e a conta 522 - Ações (quotas) próprias - Descontos e prémios, pelo valor da diferença entre o custo de aquisição e o valor nominal das quotas, por crédito da conta 12 – Depósitos à ordem, devendo ainda, de modo a expressar a nova titularidade da quota, debitar-se a conta 511 – Capital – Sócio “X”, por crédito da conta 511 – Capital – Quota própria, pelo correspondente valor nominal.
E, atendendo ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 324.º, por remissão do artigo 220.º, ambos do CSC, deve tornar-se indisponível uma reserva de montante igual àquele pela qual a quota está contabilizada, pelo que se debita a conta 5521 – Reservas – Outras reservas – Reservas livres, por contrapartida da conta 553 – Reservas – Reservas indisponíveis – Quotas próprias, por um montante igual àquele por que elas estejam contabilizadas.
Salientamos que este último lançamento é imperioso pois a criação desta reserva indisponível é condição fundamental para a operação de aquisição de ações (quotas) próprias, pelo que, caso não existam reservas livres na sociedade de montante suficiente para a aquisição das mesmas, esta operação não poderá ser concretizada.
A posterior alienação de ações (quotas) próprias, tem a seguinte movimentação contabilística: Debita-se a conta 12 – Depósitos à ordem (não podemos olvidar o preceituado no artigo 63.º-C – Contas bancárias exclusivamente afetas à atividade empresarial, da Lei Geral Tributária), ou, caso não se concretize de imediato o respetivo pagamento, debita-se a conta 268“x” – Acionistas/sócios – Outras operações – Sócio “Y”, por crédito das contas 521 - Ações (quotas) próprias - Valor nominal, pelo respetivo valor nominal, e a conta 522 - Ações (quotas) próprias - Descontos e prémios, pelo valor da diferença entre o preço de venda e o valor nominal das quotas, devendo ainda o saldo desta conta 522 (caso exista), relacionado com as ações (quotas) próprias agora alienadas, ser regularizado por débito ou crédito da conta 599 - Outras variações no capital próprio - Outras, de forma a manter os descontos e prémios correspondentes às ações (quotas) próprias em carteira (caso existam), tal como prescreve a respetiva nota de enquadramento por nós referida no início deste trabalho.
Seguidamente debita-se a conta 553 - Reservas – Reservas indisponíveis – Quotas próprias, por crédito da conta 5521 – Reservas – Outras reservas – Reservas livres, pelo valor nominal da quota.
Não podemos olvidar que deve ser registado na conta capital a menção do novo detentor da respetiva quota, debitando-se a conta 511 – Capital – Quota própria, por crédito da conta 511 – Capital – Sócio “Y”, pelo correspondente valor nominal.
Analisemos, agora, como se procede à contabilização da aquisição de quotas próprias a título gratuito. Debita-se a conta 521 – Ações (Quotas) próprias – Valor nominal, por crédito de uma subconta apropriada da conta 594 – Outras variações no capital próprio – Doações e, simultaneamente, debita-se a conta 511 – Capital – Sócio “A”, por crédito da conta 511 – Capital – Quota própria, pelo correspondente valor nominal.
Obviamente que neste caso não se movimentam contas de disponibilidades (11 e, ou, 12) nem de descontos e prémios (522), dado que se trata de uma operação a título gratuito, o que não invalida que deve tornar-se indisponível uma reserva de montante igual àquele pela qual a quota está contabilizada, pelo que se debita a conta 5521 – Reservas – Outras reservas – Reservas livres, por contrapartida da 553 - Reservas – Reservas indisponíveis – Ações (Quotas) próprias, pelo valor nominal da quota recebida gratuitamente, como estipula o artigo 324.º, por remissão do artigo 220.º, ambos do CSC.
Note-se que, do ponto de vista fiscal, as operações em causa não têm relevância na determinação do lucro tributável em IRC, uma vez que, quer a variação patrimonial negativa associada à aquisição da quota própria quer a variação patrimonial positiva associada à respetiva transmissão, se encontram excecionadas, respetivamente, na alínea c) do artigo 24.º do CIRC e na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.
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Atendendo ao estipulado no n.º 1 deste artigo 324.º, do CSC, compreende-se perfeitamente a menção que se pode ler na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 60, a páginas 404, «A quota adquirida tem de considerar-se, sob o ponto de vista dos direitos que atribui ou das obrigações que impõe, como paralisada: ninguém pode exercer direitos ou estar vinculado por obrigações para consigo próprio».
Também da obra “Contabilidade das Sociedades”, de F. V. Gonçalves da Silva e J. M. Esteves Pereira, a páginas 192, se retiram os seguintes comentários: “Na realidade, a sociedade não pode ser simultaneamente credora e devedora de si própria, pelo que «direitos e obrigações componentes da quota (ou da ação) devem considerar-se extintos por confusão, quando a quota (ou ação) seja(m) adquirida(s) pela sociedade» (Raúl Ventura).
Socorremo-nos destas citações para corroborar o entendimento por nós expresso logo na parte inicial deste Tome Nota, que as quotas (ações) próprias não dão qualquer direito a lucros e que estes somente podem ser atribuídos aos sócios, proporcionalmente às suas quotas, se não existir convenção em contrário, tal como estipula o n.º 1 do artigo 22.º - «Participação nos lucros e perdas», também ele do Código das Sociedades Comerciais.
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No relatório de gestão, elaborado pelos elementos da administração, previsto nos artigos 65.º e 66.º do CSC, deve em especial ser indicado o número e o valor nominal ou, na falta de valor nominal, o valor contabilístico das quotas ou ações próprias adquiridas ou alienadas durante o período, a fração do capital subscrito que representam, os motivos desses atos e o respetivo preço, bem como o número e valor nominal ou contabilístico de todas as quotas e ações próprias detidas no fim do período.
Note-se que o n.º 6, aditado ao artigo 66.º pelo DL n.º 98/2015, de 2 de Junho, veio estabelecer que as microentidades ficam dispensadas da obrigação de elaborar o relatório de gestão, desde que estas procedam à divulgação, quando aplicável, no final do balanço, da informação acima descrita.
Um outro pormenor, que não podemos deixar de salientar, é que o Código das Sociedades Comerciais não determina, relativamente às sociedades por quotas, nenhum período temporal máximo ou mínimo de detenção das quotas próprias. Já no que se refere às sociedades anónimas, o artigo 323.º - Tempo de detenção das ações, preconiza que sem prejuízo de outros prazos ou providências estabelecidos na lei, a sociedade não pode deter por mais de três anos um número de ações superior ao montante estabelecido no artigo 317.º, n.º 2 [uma sociedade não pode adquirir e deter ações próprias representativas de mais de 10% do seu capital], ainda que tenham sido licitamente adquiridas.
Note-se, ainda, que as ações ilicitamente adquiridas pela sociedade devem ser alienadas dentro do ano seguinte à aquisição, quando a lei não decretar a nulidade desta. Não tendo sido oportunamente efetuadas estas alienações, deve proceder-se à anulação das ações que houvessem de ser alienadas; relativamente a ações cuja aquisição tenha sido lícita, a anulação deve recair sobre as mais recentemente adquiridas. Note-se que os administradores são responsáveis, nos termos gerais, pelos prejuízos sofridos pela sociedade, seus credores ou terceiros por causa da aquisição ilícita de ações, da anulação de ações prescrita neste artigo ou da falta de anulação de ações.
Uma nota final. No que respeita à tributação dos sócios, os ganhos obtidos, por pessoas singulares, com a alienação onerosa de partes sociais, constituem mais-valias sujeitas a tributação em IRS, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, sendo tributadas à taxa autónoma de 28%, conforme dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º, podendo, no entanto, ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português, de acordo com o n.º 8 deste mesmo artigo 72.º do CIRS.
Há que atender, porém, ao disposto no artigo 5.º - Regime transitório da categoria G, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma este que aprovou o Código do IRS, o qual estabelece um regime transitório para as mais-valias que consiste em excluir da tributação os ganhos que, não se encontrando antes sujeitos ao imposto de mais-valias, resultem de bens ou direitos adquiridos antes de 1 de Janeiro de 1989, ou seja, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.
João Colaço