Tome Nota

Bens Abandonados


Com o avolumar, que tem sido constante e avassalador, nos últimos tempos, de novas imposições de índole tributária, com o consequente empenhamento dos profissionais na concretização das mesmas, acabam por ser menosprezados alguns assuntos, por não serem de aplicação constante, como é o caso, nomeadamente, do que trazemos agora à colação, ou seja a obrigatoriedade de entrega à Administração Tributária da declaração de bens abandonados, se os mesmos existirem.
  
Vejamos, então, a legislação que estabelece, e regulamenta, a matéria ora em análise. 

Segundo julgamos saber, foi o Decreto n.º 10.634, publicado em 20 de Março de 1925,  que introduziu na legislação de então a obrigatoriedade da apresentação, por algumas entidades, da declaração de bens abandonados, normalmente por não serem reclamados pelos respectivos detentores, ou, quando não existissem bens  nessas condições, certificado em que assim se declarasse.

Posteriormente, 45 anos mais tarde, o Decreto-Lei n.º 187/70, de 30 de Abril, veio esclarecer alguns aspectos ainda constantes nalguns articulados daquele diploma, através dos seus artigos 1.º a 8.º, abaixo transcritos, e referindo o seguinte no seu preâmbulo.

“Publicado em 20 de Março de 1925 o Decreto n.º 10.634, que compreendia oitenta e um artigos, conserva apenas em vigor os artigos 68.º a 73.º,  justamente aqueles que estabelecem o regime de prescrição de certos bens abandonados pelos seus donos a favor do Estado.

Se na sua essência interessa ainda hoje manter o que em tais artigos se contém, há certos aspectos e certas particularidades que importa rever, tanto à luz dos  princípios que actualmente informam o Estado, como em face de novas disposições  legais de direito público e privado.”

Artigo 1.º - Consideram-se abandonados em favor do Estado: a) As obrigações, acções e títulos equivalentes, ainda que provisórios,  representativos de capital de sociedades anónimas ou em comandita por acções, com sede em território nacional, quando, durante o prazo de vinte anos, os seus titulares ou possuidores não hajam cobrado ou tentado cobrar os respectivos dividendos, juros, amortizações ou outros rendimentos, ou não tenham manifestado por outro modo legítimo e inequívoco o seu direito sobre os títulos; b) Os dividendos, juros, amortizações e outros rendimentos daqueles títulos, quando, durante o prazo de cinco anos, os seus titulares ou possuidores não hajam praticado qualquer dos factos referidos na alínea anterior; c) Os bens ou valores de qualquer espécie depositados ou  guardados em instituições de crédito ou parabancárias, quando, durante o prazo de quinze anos, não haja sido movimentada a respectiva conta, não tenham sido  pagas taxas de custódia ou cobrados ou satisfeitos dividendos, juros ou  outras importâncias devidas, ou os titulares não tenham manifestado por qualquer outro modo legítimo e inequívoco o seu direito sobre os bens ou valores.

Artigo 2.º - Os prazos fixados no artigo anterior contam-se: a) Nos casos das alíneas  a) e  b) a partir do primeiro dia em que, por  disposição legal, regulamentar ou estatutária, os rendimentos se devam  considerar vencidos ou em pagamento, ainda que não tenham sido  observados os requisitos exigidos para o efeito, ou da prática, pelos titulares ou possuidores, do último acto pelo qual tenham manifestado o seu direito; b) Nos casos da alínea c) a partir da prática, pelos titulares, do último acto  pelo  qual tenham manifestado o seu direito sobre os bens ou valores.

Artigo 3.º - As disposições do Código Civil sobre suspensão e interrupção  da prescrição são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao abandono previsto no artigo 1.º do presente diploma.

Artigo 4.º  - 1. À declaração de abandono e adjudicação a favor do Estado, nos termos deste diploma, é aplicável o processo regulado nos artigos 1132.º e 1133.º  do Código de Processo Civil. 2. Os bens adjudicados ao Estado serão entregues à Fazenda Pública e terão o  destino que for determinado por despacho do Secretário de Estado do Tesouro.

Artigo 5.º - As sociedades e instituições a que se refere o artigo 1.º, após o quinto ano  da sua constituição, devem apresentar na repartição de finanças  da respectiva sede, até ao último dia do mês de Fevereiro de cada ano,  relação de todos os bens ou valores que, nos termos deste decreto-lei,  devam considerar-se abandonados a favor do Estado até 31 de Dezembro do ano anterior, ou, quando não existam bens  nessas condições, certificado em que assim se declare.

Artigo 6.º - 1. A inobservância do disposto no artigo anterior é punida com multa de 2.000$00 a 50.000$00, aplicada em processo de transgressão, mediante auto de notícia, nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos 2. O produto das multas reverte para o Estado e pelo seu pagamento respondem solidariamente, com a sociedade ou instituição, os respectivos directores, administradores, gerentes, membros do conselho fiscal, empregados com funções de direcção e chefia e quaisquer outras pessoas que tenham praticado, ordenado ou sancionado a infracção. 3. O procedimento judicial e as multas aplicadas prescrevem nos prazos previstos no § único do artigo 115.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.

Artigo 7.º - O disposto no presente decreto-lei não se aplica aos montepios, caixas económicas e sociedades cooperativas, desde que exerçam a actividade social exclusivamente com os respectivos associados, nem altera o que sobre a mesma matéria esteja regulado em disposições especiais.

Artigo 8.º - A fiscalização das obrigações impostas por este diploma compete em especial à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, que, para o efeito, poderá ordenar directamente, ou solicitar à Inspecção-Geral de Finanças ou à Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, conforme os casos, a realização de exames à escrita das sociedades ou instituições a que se refere o artigo 1.º 

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E, finalmente, o Decreto-Lei n.º 283/92, de 19 de Dezembro, publicado no Diário da República n.º 292, I Série – A, alterou, através do seu artigo 1.º, o artigo 71.º do Decreto n.º 10.634, de 20 de Março de 1925.

Mas vejamos, primeiramente, o que é afirmado no preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 283/92:

“O presente diploma visa melhorar a qualidade da Administração Pública através de uma simplificação de procedimentos para desburocratizar e modernizar os serviços.

Assim, no domínio da simplificação de legislação com incidência directa nas empresas estabelece-se a substituição da obrigatoriedade anual de apresentação de declaração de bens abandonados, prevista em legislação de 1925, pela obrigatoriedade anual de apresentação, pelas entidades competentes, de uma declaração de conteúdo semelhante, quando os houver.”  Nota: Tanto o salientado a negrito e o sublinhado desta última expressão são de nossa autoria, e têm o fito de frisar bem este pormenor – quando os houver – os bens abandonados, obviamente. 
  
Este Decreto-Lei n.º 283/92, no artigo 1.º, estipula que “O artigo 71.º do Decreto n.º 10.634, de 20 de Março de 1925, passa a ter a seguinte redacção:

“Artigo 71.º - As companhias, sociedades, bancos, Montepio Geral e quaisquer estabelecimentos de crédito referidos neste decreto apresentarão nas repartições de finanças relações certificadas das acções, obrigações, cédulas, amortizações, dividendos, juros, depósitos de todas as classes,  contas correntes e caixas e gavetas fechadas que se achem abandonadas.”

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Embora estejamos crentes que a legislação transcrita é esclarecedora dos procedimentos que devem ser seguidos, quando existem bens abandonados, e que se considera que os mesmos o são em favor do Estado, transcreve-se a Circular n.º 8/93, de 21 de Maio, da Direcção Geral do Património: 


“CIRCULAR N.º 8/93 – ESTADO – BENS ABANDONADOS

De harmonia com o estipulado no artigo 71.º do Decreto n.º 10.634, de 20 de Março de 1925, com a redacção que lhe foi dada por força do disposto no artigo l.º do Decreto-Lei n.º 283/92, de 19 de Dezembro, as entidades submetidas ao regime daquele diploma legal (sociedades anónimas ou em comandita por acções com sede em território nacional e instituições de crédito ou parabancárias) só terão de apresentar relações certificadas, nas repartições de finanças da respectiva sede se houver bens abandonados em favor do Estado.”

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Com a transcrição desta doutrina terminamos o presente Tome Nota, manifestando a esperança de que o mesmo tenha um mínimo de utilidade para os Prezados Colegas e Amigos.

João Colaço