Saldos de Caixa elevados
Somos, amiúde, questionados por Colegas acerca da existência de saldos elevados na conta «Caixa», sem que tal corresponda à verdade, e quais as consequências que daí poderão advir.
Não podemos deixar de referir que é natural que este tipo de situações suscite dúvidas, principalmente desde que foi aditado à Lei Geral Tributária (LGT) o artigo 63.º-C - Contas bancárias exclusivamente afetas à atividade empresarial, pelo n.º 3 do artigo 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30/12 (OE/2005), o qual estabelece, nos seus n.ºs 1 e 2, que os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, e que devem, ainda, ser efetuados através desta conta ou contas todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.
Salientamos, pois, que há já mais de uma dezena de anos que os recebimentos respeitantes à actividade empresarial não podem deixar de ser alvo de depósito nas contas bancárias das respetivas entidades e não permanecerem em Caixa.
É certo que alguns Colegas admitem que, eventualmente, a razão da existência destes saldos de caixa é devida à retirada de valores, sem que as mesmas lhes sejam comunicadas, nem alvo de qualquer registo devido à inexistência de documentos.
Assim, estas retiradas podem ter tido como finalidade o pagamento de despesas ou encargos sem qualquer documento de suporte (haverá alguém que não tenha sido já confrontado com situações de compra de bens ou de serviços, em que os respetivos fornecedores ou prestadores previamente lhes comunicam que é “sem papel”, ou, caso contrário, não há transmissão alguma?), e/ou as retiradas tenham sido para serem utilizadas em proveito próprio pelos responsáveis das entidades.
Ora, de acordo com o que nos é referido pelos Colegas que nos relatam as situações com que são confrontados, por vezes os saldos de caixa são de montantes elevados, o que obviamente poderá levar a AT a suscitar uma inspeção para confirmar qual o valor real do numerário em caixa, com as subsequentes implicações de natureza fiscal, que vão desde considerar o valor excedente ao montante real existente em caixa como empréstimo aos sócios, embora duvidemos que seja esta a opção dos Serviços da AT dado que de acordo com o disposto no artigo 1143.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a 25.000€ só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a 2.500€ se o for por documento assinado pelo mutuário, a existência de uma ata em que os sócios aprovassem o referido empréstimo, com a indicação da respetiva taxa de juro (que de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 63.º - Relações especiais, do CIRC, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis) e sujeitas a Imposto do Selo pela aplicação da tabela 17.1 da TGIS.
Caso a opção da AT seja considerar esse excesso como adiantamento por conta de lucros, então promoverá a consequente tributação dos sócios, por entender ter existido um recebimento antecipado dos lucros, exigindo o respectivo imposto à entidade, com as correspondentes coimas e juros compensatórios, por não ter sido efectuada a competente retenção na fonte, tal como se encontra estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS.
A regularização desse excesso, no nosso entender e sem prejuízo de melhor opinião, deve ser efetuada por débito da conta 263 – Adiantamentos por conta de lucros, e a crédito da conta Caixa e da conta 242 – Retenções de imposto sobre o rendimento.
Caso a AT considere este excesso como respeitante a despesas não documentadas, estas serão sujeitas à correspondente taxa de tributação autónoma de 50%, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, ou caso a entidade apresente prejuízo fiscal, à taxa de 60%, de acordo com o n.º 14 deste mesmo artigo 88.º do CIRC.
No que concerne à regularização do excesso em causa, entendemos, também sem prejuízo de melhor opinião, que poderá ser efetuada através da conta 6888 (permitimo-nos, mesmo, sugerir que se crie uma subconta 6888.1 ou, alternativamente, uma 689, sendo que qualquer uma delas seria denominada como Outros gastos – Outros – Despesas não documentadas), alertando desde já que este gasto, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A, também ele do CIRC, ainda que contabilizado como gasto do período de tributação, não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável, pelo que o respetivo montante deverá ser acrescido no campo 716 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22.
Note-se, porém, que se o referido excesso for de montante elevado, a sua regularização através de uma conta de gastos vai afetar de sobremaneira o resultado contabilístico da entidade. A regularização poderá, então, ser efetuada através da conta 56 – Resultados transitados, sem qualquer correção no Quadro 07.
Seja qual for a opção, não podemos olvidar o que dispõe o artigo 35.º - Perda de metade do capital, das Sociedades Comerciais, pelo que os gerentes/administradores devem ser para tal alertados.
Explicitado como, na nossa opinião, os saldos elevados de caixa podem ser regularizados, vamos citar agora alguns articulados do Código do IRS que, embora sejam por todos nós conhecidos, são por vezes esquecidos pelo que não é atempadamente prestado este tipo de informação aos responsáveis das entidades pelo manuseamento de numerário.
Assim, a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º - Rendimentos da categoria E, estabelece que são considerados rendimentos de capitais os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º (imputação aos sócios nas sociedades de transparência fiscal).
O n.º 4 do artigo 6.º - Presunções relativas a rendimentos da categoria E, estipula que os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º- Taxas liberatórias, estipula que estes rendimentos de capitais estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28% (pelo que deverá ser preenchida a declaração modelo 39), com opção pelo englobamento conforme n.ºs 6 e 7 deste mesmo artigo.
Dediquemos, agora, um pouco da nossa atenção ao que se encontra estipulado nos artigos 63.º-E e 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT).
Reparem os Prezados Colegas que o Ministério das Finanças tem vindo sistematicamente a reforçar o controlo dos fluxos financeiros, veja-se o teor do artigo 63.º-E – Proibição de pagamento em numerário, aditado à LGT pela Lei n.º 92/2017, de 22 de Agosto, o qual preconiza que é proibido pagar ou receber em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3.000€, ou o seu equivalente em moeda estrangeira.
Os pagamentos realizados pelos sujeitos passivos a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-C respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 1.000€, ou o seu equivalente em moeda estrangeira, devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto.
O limite referido no n.º 1 (3.000€) é de 10.000€, ou o seu equivalente em moeda estrangeira, sempre que o pagamento seja realizado por pessoas singulares não residentes em território português e desde que não atuem na qualidade de empresários ou comerciantes.
Note-se que para efeitos do cômputo dos limites atrás referidos, são considerados de forma agregada todos os pagamentos associados à venda de bens ou prestação de serviços, ainda que não excedam aquele limite se considerados de forma fracionada.
Salientamos, ainda, que o n.º 5 deste artigo 63.º-E estipula que é proibido o pagamento em numerário de impostos cujo montante exceda 500€.
Quanto ao artigo 89.º-A - Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados, estabelece o seu n.º 1 que há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
Por sua vez, a alínea c) do n.º 2 deste articulado dispõe que na aplicação da tabela prevista no n.º 4 tomam-se em consideração os suprimentos e empréstimos efetuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
O seu n.º 4 estabelece: Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela constante deste articulado, e o ponto 5 da tabela atrás referida inclui nas manifestações de fortuna os suprimentos e empréstimos no ano de valor igual ou superior a 50.000€.
Finalizamos alertando que o artigo 129.º - Violação da obrigação de possuir e movimentar contas bancárias e de transações em numerário, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), dispõe que a falta de conta bancária nos casos legalmente previstos é punível com coima de 270€ a 27.000€. A falta de realização através de conta bancária de movimentos nos casos legalmente previstos é punível com coima de 180€ a 4.500€ e que a realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos é punível com coima também de 180€ a 4.500€.
Esperamos que o presente trabalho tenha um mínimo de utilidade para os Prezados Colegas e que através do mesmo possam alertar as pessoas responsáveis pelo manuseamento das disponibilidades das respetivas entidades para os riscos decorrentes da manutenção de saldos elevados nas contas de disponibilidades sem que os mesmos correspondam à realidade.
João Colaço