Cessão de quotas
Iniciamos este Tome Nota recordando aos Prezados Colegas o teor do artigo 995.º - Cessão de quotas, do Código Civil, que estipula que nenhum sócio pode ceder a terceiro a sua quota sem consentimento de todos os outros e que a cessão de quotas está sujeita à forma exigida para a transmissão de bens da sociedade, ou seja, se o pacto social não dispuser diversamente, a cessão de quotas depende de deliberação dos sócios.
No que concerne ao Código das Sociedades Comerciais (CSC), esta matéria encontra-se contemplada nos artigos 225.º a 231.º, de entre os quais salientamos o disposto nos artigos 228.º, 229.º e 230.º e que passamos a explicitar.
Assim, o artigo 228.º - Transmissão entre vivos e cessão de quotas, preconiza que a transmissão de quotas entre vivos deve ser reduzida a escrito, não produzindo efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios, tornando-se eficaz para com a sociedade logo que lhe for comunicada por escrito ou por ela reconhecida, expressa ou tacitamente.
Deste modo, antes de se efectivar a cessão de quotas, deve, em primeiro lugar, ser analisado o conteúdo do pacto social para se verificar se deste consta alguma restrição à transmissão das quotas, sendo estas restrições ou proibições permitidas, conforme estabelecido pelo artigo 229.º do CSC.
Repare-se que o artigo 229.º - Cláusulas contratuais, estipula que são válidas as cláusulas que proíbam a cessão de quotas, mas os sócios terão, nesse caso, direito à exoneração, uma vez decorridos 10 anos sobre o seu ingresso na sociedade, podendo o contrato de sociedade dispensar o consentimento desta, quer em geral, quer para determinadas situações, assim como pode exigir o consentimento da sociedade para todas ou algumas das cessões referidas no artigo 228.º, n.º 2, parte final. A eficácia da deliberação de alteração do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a cessão de quotas depende do consentimento de todos os sócios por ela afectados.
Note-se, porém, que o contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, mas pode condicionar esse consentimento a requisitos específicos, contanto que a cessão não fique dependente da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoa estranha, salvo tratando-se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a permanência de certos sócios, ou de quaisquer prestações a efectuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da sociedade ou de sócios, ou ainda da assunção pelo cessionário de obrigações não previstas para a generalidade dos sócios.
Salientamos, também, que o contrato de sociedade pode cominar penalidades para o caso de a cessão ser efectuada sem prévio consentimento da sociedade.
Aproveitamos o ensejo do que é referido no parágrafo anterior para trazer à colação o artigo 230.º - Pedido e prestação do consentimento, o qual estabelece que o consentimento da sociedade é pedido por escrito, com indicação do cessionário e de todas as condições da cessão, sendo o consentimento expresso dado por deliberação dos sócios, não podendo ser subordinado a condições e sendo irrelevantes as que se estipularem. Se a sociedade não tomar a deliberação sobre o pedido de consentimento nos 60 dias seguintes à sua recepção, a eficácia de cessão deixa de depender dele. Considera-se prestado o consentimento da sociedade quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles a impugnar com esse fundamento, provando-se o consentimento tácito, para efeitos de registo da cessão, pela acta da deliberação.
Embora estejamos crentes que o atrás exposto é por si elucidativo dos formalismos a serem observados nas cessões de quotas, pensamos que será importante salientar, ainda que correndo o risco de sermos redundantes, alguns pontos já acima citados assim como outros pormenores.
Assim, em primeiro lugar, o sócio que pretende transmitir a sua quota deve comunicar tal pretensão à sociedade, por escrito, devendo esta, obviamente através de decisão tomada em assembleia geral, dar o seu consentimento a tal transmissão, expresso na respectiva acta, dado que a acta é a forma de transcrição das deliberações sociais.
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Permitimo-nos respigar da obra “Comentário ao CSC”, do Prof. Raúl Ventura, Vol. I, 2.ª Edição, da Almedina, do comentário ao artigo 228.º, página 585, a seguinte nota: «O consentimento da sociedade constitui requisito legal da eficácia da cessão de quotas. É estabelecido por lei...».
Ainda da mesma obra respigamos do comentário ao artigo 230.º, página 625, a seguinte anotação: «O artigo 230.º, n.º 1, especifica a forma e o conteúdo do pedido (de consentimento da sociedade para efectuar a transmissão da quota). A forma deve ser escrita. É obrigatória a indicação do cessionário e de todas as condições da cessão. Ao contrário de certas opiniões, a lei portuguesa não se contenta com a indicação do cessionário, pois o conhecimento de todas as condições da cessão é importante para a deliberação a tomar pela sociedade».
De modo a corresponder a estas exigências deve ser elaborado um documento particular, visto já não ser obrigatória a escritura pública para tal efeito, onde conste a identificação do cedente e do adquirente (nomes, naturalidades e NIF’s), assim como a dos cônjuges no caso de serem casados, indicando-se, neste caso, o respectivo regime, a identificação da sociedade (denominação social, NIPC, número de matricula na conservatória do registo comercial, sede e capital social), valor nominal da quota a ceder, preço da cedência e a respectiva forma de pagamento.
Sem prejuízo de melhor opinião, entendemos que este documento deverá conter também a identificação dos restantes sócios assim como a declaração destes que não pretendem exercer a preferência, devendo o documento ser assinado por todos os intervenientes, após o que se efectuará o respectivo registo, pelo depósito do mesmo, na Conservatória do Registo Comercial, tal como preconiza a alínea c) do nº 1 do artigo 3.º do Código do Registo Comercial.
Salientamos que, se os sócios cedentes forem gerentes, a sua renúncia deve constar da acta da assembleia geral, já atrás referida, devendo também, caso tal não conste do contrato de cessão de quotas, ser elaborada uma acta de nomeação dos novos gerentes e, com base nela, ser requerido o respectivo registo. Embora esteja expresso na lei que a CRC comunica oficiosamente à AT tais factos, defendemos a ideia que a sociedade deve apresentar, no Serviço de Finanças, uma declaração de alterações indicando os novos gerentes, assim como à Segurança Social.
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Em termos contabilísticos, a transmissão de quotas, se for efectuada entre os anteriores para novos sócios, e sem que se verifique qualquer alteração do montante do capital nominal da sociedade, pelo que a sociedade continua com o mesmo capital social, embora detido, a partir dessa cessão, por sócios diferentes, somente implica a necessidade de reconhecer tal facto através do que era denominado “lançamento por memória”.
Assim, caso a sociedade, no seu plano de contas, tenha a conta “Capital” com a individualização dos diversos titulares, deve ser registada a transferência das quotas alienadas pelos anteriores para os novos sócios, com a cópia do documento particular por eles assinada a servir de suporte documental, debitando-se, por exemplo, as contas 511 Capital – Sócio A, e 512 Capital – Sócio B, por crédito das novas contas 513 – Capital – Sócio C, e 514 – Capital Sócio D, pelos respectivos valores nominais de transmissão das quotas.
Como se verifica, na sociedade, o registo contabilístico acima sugerido destina-se apenas a relevar a alteração de titularidade do respectivo capital (valor nominal) independentemente dos montantes pelos quais as quotas tenham sido vendidas aos novos sócios.
Não podemos deixar de salientar, no intuito de corroborar e aprofundar o que referimos no parágrafo anterior, que embora as quotas possam ser transmitidas por valor superior, igual ou inferior ao valor pelo qual tenham sido adquiridas, a respectiva diferença, positiva ou negativa, apenas se reflecte na esfera patrimonial dos sócios cedentes e não na própria sociedade.
Atendendo que, por vezes, os sócios cedentes, anteriormente a essa transmissão, efectuaram suprimentos à sociedade, vamos analisar algumas dessas situações, começando por referir que, nos termos do Código Civil (CC), podem ser transmitidos os créditos, nomeadamente suprimentos, dos sócios existentes sobre a sociedade para os novos sócios.
Efectivamente, o artigo 577.º - Admissibilidade da cessão, deste Código, estipula que o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor (neste caso, da sociedade), contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor. Todavia, essa cessão de créditos, apenas terá efeito no momento, em que o devedor (a sociedade) for notificado.
Por sua vez, o artigo 586.º - Documentos e outros meios probatórios, também do CC, estabelece que o cedente é obrigado a entregar ao cessionário os documentos e outros meios probatórios do crédito, que estejam na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo.
Note-se que a transmissão desses créditos dos sócios perante a sociedade não modifica o carácter do contrato de suprimento desses mesmos créditos, ficando os novos sócios obrigados ao estabelecido no contrato original, conforme estipula o n.º 5 do artigo 243.º - Contrato de suprimento, do CSC, que dispõe que fica sujeito ao regime de crédito de suprimento o crédito de terceiro contra a sociedade que o sócio adquira por negócio entre vivos, desde que no momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias previstas nos n.ºs 2 e 3.
Caso estes créditos não sejam transmitidos aos novos sócios, poderão manter-se como dívidas da sociedade, devendo então ser transferidos das subcontas 2532 – Financiamentos obtidos – Participantes de capital – Outros participantes – Suprimentos e outros mútuos, para subcontas da conta de 278 – Outras contas a receber e a pagar – Outros devedores e credores, continuando os antigos sócios credores da sociedade.
Alertamos que mantendo-se os sócios cedentes como credores da sociedade, haverá, também, que se reapreciar a operação em Imposto de Selo, pois esses créditos concedidos à sociedade deixariam de se configurar como suprimentos ou empréstimos de sócios para cobertura de carências de tesouraria (operações isentas ao abrigo das alíneas i) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, respectivamente), para passarem a configurar-se como um operação de crédito, que normalmente estará sujeita a imposto de selo, ficando abrangida pela verba 17.1 da TGIS.
Note-se, ainda, que se, hipoteticamente, os sócios cedentes procederem ao perdão dos suprimentos, devidamente comprovado através de declaração dos sócios assumindo o abdicar do direito aos mesmos, tal facto traduz-se numa variação patrimonial positiva que concorre para o apuramento do lucro tributável em IRC da sociedade. Contabilisticamente, o inerente registo passa pelo débito da conta dos sócios por crédito da conta 594 – Outras variações no capital próprio – Doações
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Analisemos, agora, as disposições em sede do Código do IRS, que regulamentam esta matéria.
De acordo com o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação de partes sociais (quotas, acções) e de outros valores mobiliários e, como tal, sujeitos a tributação como rendimento da categoria G.
Por seu lado, o n.º 3, deste mesmo artigo, estabelece que os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação das quotas, verifique-se, ou não, o pagamento do montante pelo qual foram transmitidas, e são determinados pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, tal como se encontra estabelecido na alínea a) do n.º 4 deste mesmo artigo 10.º, assim como no disposto nos artigos 44.º, 45.º, 48.º e 51.º, todos do CIRS, como é óbvio.
Esta mais-valia é alvo de tributação autónoma à taxa de 28%, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º, podendo o titular do rendimento, se assim o entender, ao abrigo do disposto no n.º 8 deste mesmo artigo 72.º, optar pelo englobamento da mais-valia, aplicando-se-lhe, neste caso, a taxa geral, estabelecida no artigo 68.º, que resultar do somatório de todos os rendimentos englobados.
Note-se que ao titular deste rendimento que opte pelo englobamento é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 22.º - Englobamento, o qual estabelece “Quando o sujeito passivo exerça a opção referida no n.º 3, fica, por esse facto, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos”.
Salientamos que a opção pelo titular do rendimento em análise – Mais-valias resultantes da alienação de partes sociais – de um ou de outro destes regimes de tributação implica o preenchimento dos campos 1 (opção pelo englobamento) ou 2 (não opção pelo englobamento) do quadro 9 do anexo G da declaração Modelo 3.
Um pormenor importante, que não pode deixar de ser tido em conta, é o que dispõem os n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 43.º - Mais-valias.
Assim, estabelece o n.º 1 que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. Por sua vez, o n.º 3 refere que o saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50% do seu valor. E o n.º 4 dispõe que para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.
Tal significa que se as quotas alienadas disserem respeito a micro ou pequenas empresas que se encontrem nas situações mencionadas no n.º 3 do artigo 43.º acima transcrito, e o IAPMEI tenha emitido a respectiva declaração comprovativa, somente 50% da mais-valia é que é objecto de tributação.
Nesta situação o sujeito passivo alienante deve preencher o Quadro 8A – Alienação onerosa de partes sociais de micro e pequenas empresas do Anexo G, em cujas instruções pode ler-se: “Destina-se a identificar os campos do quadro 8 onde foram inscritos os valores relativos à alienação onerosa de partes sociais de micro ou pequenas empresas, definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e certificadas como tal pelo IAPMEI, I.P., não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores.
Estas empresas devem ser identificadas através do NIPC, sendo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias considerando em 50% do seu valor, como dispõe o n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS. Considera-se pequena empresa a que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros. Microempresa é aquela que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.
Abrimos aqui um pequeno parêntesis para referir outro pormenor não menos importante, que é o que dispõe o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma este que aprovou o Código do IRS, dado que nele se encontra estabelecido que estas mais-valias não estão sujeitas a tributação se a data de aquisição das quotas alienadas for anterior a 1 de Janeiro de 1989.
Pensamos que a doutrina que a seguir se transcreve é elucidativa da não sujeição de mais-valias apuradas na alienação de partes sociais quando a aquisição das mesmas tenha ocorrido anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS.
Vejamos, então, o teor da “Informação n.º 0379, do SAIR, com Despacho de 16 de Fevereiro de 1989:
CIRS – Cedência de quotas – Quotas e partes sociais
Os rendimentos obtidos com a cedência de quotas, adquiridas anteriormente à entrada em vigor do CIRS, não são, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, tributados em IRS. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, cabe ao cedente fazer prova de que as referidas quotas foram adquiridas anteriormente à entrada em vigor do Código dado o facto de que as quotas adquiridas e transmitidas posteriormente àquela data estarem sujeitas a tributação de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.”
Finalizamos referindo que se a sociedade possuir bens imóveis e se, por via da cessão de quotas, um sócio passar a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou se a sociedade ficar reduzida a marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens ou comunhão de adquiridos, deve ser apresentado o documento comprovativo do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).
Esperamos que este trabalho, certamente não isento de falhas e, ou, omissões, tenha um mínimo de utilidade para os Prezados Colegas, agradecendo desde já as vossas críticas, que serão bem vindas.
João Colaço