Reserva legal
Dado que somos bastas vezes confrontados com questões acerca da constituição da reserva legal, vimos, através deste Tome Nota, e sem prejuízo de melhor opinião, manifestar qual o nosso entendimento sobre esta matéria.
Começamos por recordar que é o artigo 218.º - Reserva legal, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que estabelece a obrigatoriedade da constituição de uma reserva legal, aplicando-se o disposto nos artigos 295.º e 296.º, salvo quanto ao limite mínimo de reserva legal, que nunca será inferior a 2500 euros.
O n.º 1 do artigo 295.º - Reserva legal, dispõe que uma percentagem não inferior à 20.ª parte dos lucros da sociedade é destinada à constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a 5.ª parte do capital social, podendo o contrato de sociedade fixar percentagem e montante mínimo mais elevados para a reserva legal.
Por sua vez, o artigo 296.º - Utilização da reserva legal, estipula que esta só pode ser utilizada para cobrir a parte do prejuízo acusado no balanço do exercício que não possa ser coberto pela utilização de outras reservas, ou para cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser coberto pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas e, ou, ainda para incorporação no capital.
Ora uma das questões mais frequentes é a que se prende com a interpretação, que por vezes é feita, ao teor da parte inicial do n.º 1 do artigo 295.º, quando uma sociedade que tenha vindo a acumular prejuízos, os quais se encontram relevados em resultados transitados, apure lucro, existindo quem defenda que uma percentagem não inferior a 20% desse lucro seja de imediato destinada à constituição da reserva legal.
Entendemos, porém, que não podemos deixar de atender aos seguintes factos, os quais devem encontrar-se devidamente relevados na contabilidade.
O primeiro lançamento a ser efetuado na contabilidade das sociedades, no início de cada ano (exercício/período), é o da transferência do resultado líquido (conta 818) do período anterior, para débito ou crédito da conta resultados transitados (conta 56), o que significa que no momento da aprovação da proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada, a que se refere a alínea f) do n.º 5 do artigo 66.º - Relatório de gestão, os resultados transitados já incluem o resultado líquido do exercício anterior, pelo que, se o saldo desta conta for negativo, inviabiliza, salvo melhor opinião, a constituição de reserva legal, dado não existirem resultados transitados positivos que permitam essa hipótese.
Este nosso entendimento baseia-se no que se encontra disposto no n.º 1 do artigo 33.º - Lucros e reservas não distribuíveis, também ele do CSC, “Não podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados”.
Aliás, o Professor Raúl Ventura, na obra Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, volume I, 2.ª edição, de 1989, edição da Almedina, nos comentários ao artigo 218.º, a páginas, 359 e 361, refere também esse pressuposto, que a constituição da reserva legal deve incluir a vigésima parte do saldo positivo anual deduzido dos prejuízos vindos do ano anterior.
Não podemos deixar de reconhecer que, em termos do capital próprio das entidades, não se verifica diferença alguma no seu montante, quer a constituição da reserva legal, ou o seu reforço, seja efetuada antes de o resultado positivo ter sido transferido para resultados transitados, pelo que o valor dos prejuízos anteriores se manteriam, e existiria então uma reserva legal que teria como finalidade a cobertura desses mesmos prejuízos, ou se o resultado positivo fosse integralmente transferido para resultados transitados, pelo que os prejuízos seriam então cobertos, em primeiro lugar, total ou parcialmente, por esse resultado positivo.
A nossa objeção, ou simplesmente a nossa opção, por somente ser constituída, ou reforçada, a reserva legal após os prejuízos terem sido cobertos pelos resultados positivos apurados em cada exercício/período, tem por base que, embora sem prejuízo de melhor opinião, deve ser seguida uma ordem cronológica dos acontecimentos.
Ou seja, o resultado de cada exercício/período, seja ele positivo ou negativo, deve em primeiro lugar ser transferido para resultados transitados
Recordamos que referimos acima que no momento da aprovação da proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada, a que se refere a alínea f) do n.º 5 do artigo 66.º - Relatório de gestão, os resultados transitados já incluem o resultado líquido do exercício anterior, pelo que, caso estejam reunidas as condições para deliberar a aplicação dos resultados de acordo com a proposta constante do relatório de gestão, ou, na sua ausência, da apresentada pelo sócio que presidir à assembleia geral, será então aprovada a transferência para reserva legal de uma percentagem não inferior à vigésima parte (5%) dos lucros da sociedade até que esta represente a quinta parte (20%) do capital social.
Permita-se-nos deixar aqui a seguinte nota. Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 295.º do CSC, os sócios, se o pretenderem e se existirem condições para tal, podem deliberar constituir, ou reforçar, a reserva legal de modo a que o limite mínimo de 20% do capital social seja desde logo atingido.
Os resultados remanescentes serão atribuídos conforme deliberado na assembleia geral, para distribuição de lucros, para reservas livres ou outras que os sócios entendam criar, ou ainda que se mantenham em resultados transitados.
Salientamos que o n.º 3 do artigo 250.º do CSC estabelece que, salvo disposição diversa na lei ou no contrato, as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos dos sócios presentes na reunião.
Finalizamos, recordando que no primeiro parágrafo da nota explicativa do Plano Oficial de Contabilidade (POC) sobre a conta de Resultados transitados se dispunha que esta conta era "utilizada para registar os resultados líquidos e os dividendos antecipados provenientes do exercício anterior". Porém, no SNC, não existe uma expressão idêntica.
Repare-se que a Portaria n.º 218/2015 de 23 de Julho, através do seu artigo 1.º, aprovou o Código de Contas, publicado em anexo à referida portaria, dela fazendo parte integrante, e constituído pelo Quadro Síntese de Contas, pelo Código de Contas e pelas Notas de Enquadramento, não contemplando nesta última qualquer nota relativa à conta 56 – Resultados transitados.
No entanto, e para nossa satisfação, nas Notas de Enquadramento ao Plano de Contas Multidimensional — Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas, aprovadas pela Portaria n.º 189/2016, de 14 de Julho, na nota relativa à conta 56 - Resultados transitados, é referido na sua parte inicial que “Esta conta é utilizada para registar os resultados líquidos acumulados de períodos anteriores (conta 561). Caso o saldo seja credor, pode ser debitada para constituição de reservas (conta 55), para reforço do património/capital (conta 514) ou para distribuição de dividendos (caso em que se debita a conta 563 por contrapartida da conta 264), conforme seja deliberado pelos detentores do património líquido/capital”.
Pensamos que esta referência – Caso o saldo desta conta (561) seja credor, pode ser debitada para constituição de reservas – vem de encontro ao que acima deixamos exposto.
João Colaço