Tome Nota

Redução de capital


Começamos por recordar a redacção dada ao artigo 201.º - Capital social livre, do Código das Sociedades Comerciais, pelo Decreto-Lei n.º 33/2011, de 7 de Março: «O montante do capital social é livremente fixado no contrato de sociedade, correspondendo à soma das quotas subscritas pelos sócios».

Embora se tenha verificado a eliminação da obrigatoriedade do capital social mínimo, das sociedades por quotas, o que eventualmente poderá induzir os Colegas que esse facto eliminaria, também, todas as restantes disposições relativas a esse mesmo capital social, o que é certo é que existindo capital social o mesmo pode ser modificado por vontade dos sócios.

Ora, é precisamente atendendo a essa possibilidade, que nos é colocada, com alguma frequência, a dúvida acerca de como deverá ser encarada a hipótese de uma sociedade proceder à redução do seu capital social, devido ao facto de se encontrar numa situação económica muito periclitante, com bastantes prejuízos acumulados, que vimos tentar, através deste Tome Nota, deixar algumas pistas que permitam uma melhor compreensão do tema apresentado.

Aliás são dois, no nosso entender, os principais motivos para os sócios deliberarem proceder à redução do capital da sociedade em que participem. O primeiro tem a finalidade de cobertura de prejuízos, como atrás referido, o segundo, a libertação do excesso de capital.

Não podemos deixar de salientar que, embora a redução de capital consubstancie uma alteração do contrato, a mesma não necessita de nele estar prevista, ou seja, a hipótese de redução do capital não tem que constar do contrato de sociedade, vulgarmente designado como pacto social, bastando que os sócios o deliberem em assembleia geral convocada para o efeito, tal como se encontra estabelecido no artigo 94.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Recordamos que este dispõe que a convocatória da assembleia geral para redução do capital deve mencionar não só a finalidade da redução, indicando, pelo menos, se esta se destina à cobertura de prejuízos, a libertação de excesso de capital ou a finalidade especial, como também a forma da redução, mencionando se será reduzido o valor nominal das participações ou se haverá reagrupamento ou extinção de participações. Devem também ser especificados as participações sobre as quais a operação incidirá, no caso de ela não incidir igualmente sobre todas.

Vamos, agora, referir os artigos 95.º e 96.º, que, anteriormente às alterações que lhes foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, tinham a designação, respectivamente, de “Autorização judicial” e “Ressalva do capital mínimo”.

O artigo 95.º - Deliberação de redução do capital, estabelece que a redução do capital não pode ser deliberada se a situação líquida da sociedade não ficar a exceder o novo capital em, pelo menos, 20%. É permitido deliberar a redução do capital a um montante inferior ao mínimo estabelecido nesta lei para o respectivo tipo de sociedade se tal redução ficar expressamente condicionada à efectivação de aumento do capital para montante igual ou superior àquele mínimo, a realizar nos 60 dias seguintes àquela deliberação, o que é vulgarmente designado como operação harmónio.

O disposto nesta lei sobre capital mínimo não obsta a que a deliberação de redução seja válida se, simultaneamente, for deliberada a transformação da sociedade para um tipo que possa legalmente ter um capital do montante reduzido. A redução do capital não exonera os sócios das suas obrigações de liberação do capital.

Por sua vez, o artigo 96.º - Tutela dos credores, estabelece que sem prejuízo do seguidamente disposto, qualquer credor social pode, no prazo de um mês após a publicação do registo da redução do capital, requerer ao tribunal que a distribuição de reservas disponíveis ou dos lucros de exercício seja proibida ou limitada, durante um período a fixar, a não ser que o crédito do requerente seja satisfeito, se já for exigível, ou adequadamente garantido, nos restantes casos.

Esta faculdade, conferida aos credores, apenas pode ser exercida se estes tiverem solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada, há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido. Antes de decorrido o prazo atrás concedido aos credores sociais, não pode a sociedade efectuar as distribuições nele mencionadas, valendo a mesma proibição a partir do conhecimento pela sociedade do requerimento de algum credor.

Permitimo-nos, ainda, salientar que a deliberação da redução do capital, constante da respectiva acta, deve ser alvo de depósito na Conservatória do Registo Comercial, que promoverá a sua publicitação, de acordo com o que se encontra estipulado na alínea r) do n.º 1 do artigo 3.º, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, ambos do Código do Registo Comercial.

Conforme atrás referimos, a redução do capital consubstancia uma alteração ao contrato social, pelo que deveremos atender ao disposto no artigo 53.º - Formas de deliberação, do CSC.

Assim, as deliberações dos sócios só podem ser tomadas por alguma das formas admitidas por lei para cada tipo de sociedade. As disposições da lei ou do contrato de sociedade relativas a deliberações tomadas em assembleia geral compreendem qualquer forma de deliberação dos sócios prevista na lei para esse tipo de sociedade, salvo quando a sua interpretação impuser solução diversa.

Recordamos, pois, que relativamente às sociedades em nome colectivo, o n.º 1 do artigo 194.º - Alterações do contrato, estipula que só por unanimidade podem ser introduzidas quaisquer alterações no contrato de sociedade ou pode ser deliberada a fusão, a cisão, a transformação e a dissolução da sociedade, a não ser que o contrato autorize a deliberação por maioria, que não pode ser inferior a três quartos dos votos de todos os sócios.

Por seu lado, no que se refere às sociedades por quotas, o artigo 265.º - Maioria necessária, preconiza que as deliberações de alteração do contrato só podem ser tomadas por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social ou por número ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato de sociedade, sendo permitido estipular no contrato de sociedade que este só pode ser alterado, no todo ou em parte, com o voto favorável de um determinado sócio, enquanto este se mantiver na sociedade.

Finalmente, e quanto às sociedades anónimas, o artigo 383.º - Quorum, dispõe, nos seus n.ºs 2 e 3, para que a assembleia geral possa deliberar, em primeira convocação, sobre a alteração do contrato de sociedade, fusão, cisão, transformação, dissolução da sociedade ou outros assuntos para os quais a lei exija maioria qualificada, sem a especificar, devem estar presentes ou representados accionistas que detenham, pelo menos, acções correspondentes a um terço do capital social. Em segunda convocação, a assembleia pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o capital por eles representado.

Note-se, ainda, que de acordo com o disposto no artigo 463.º - Redução do capital por extinção de acções próprias, a assembleia geral pode deliberar que o capital da sociedade seja reduzido por meio de extinção de acções próprias, aplicando-se o disposto no artigo 95.º, excepto se forem extintas acções inteiramente liberadas, adquiridas a título gratuito depois da deliberação da assembleia geral, ou se forem extintas acções inteiramente liberadas, adquiridas depois da deliberação da assembleia geral, unicamente por meio de bens que, nos termos dos artigos 32.º e 33.º, pudessem ser distribuídos aos accionistas, devendo, neste caso, ser levada a reserva especial, sujeita ao regime da reserva legal, quantia equivalente ao valor nominal total das acções extintas.

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Referimos, no início, que a redução de capital normalmente tem a finalidade de cobertura de prejuízos, ou, eventualmente, a libertação do excesso de capital.

Vejamos, então, exemplos destas situações.

No primeiro caso, a sociedade por quotas Alfa, Lda., com o capital social de 50.000 euros, tem prejuízos acumulados de 33.000 euros, que se encontram relevados na conta 56 – Resultados transitados (pelo que o capital próprio, no montante de 17.000 euros, ainda que positivo, é inferior a metade do capital social), encontrando-se, assim, abrangida pelo disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 35.º - Perda de metade do capital, do CSC, os quais estabelecem, respectivamente, que resultando das contas de exercício ou de contas intercalares, tal como elaboradas pelo órgão de administração, que metade do capital social se encontra perdido, ou havendo em qualquer momento fundadas razões para admitir que essa perda se verifica, devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas julgadas convenientes. Considera-se estar perdida metade do capital social quando o capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social.

Por sua vez, o n.º 3 deste artigo estipula que do aviso convocatório da assembleia geral constarão, pelo menos, os seguintes assuntos para deliberação pelos sócios, a dissolução da sociedade, a redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade, ou a realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital.

Atendendo à situação, e com base no disposto no supra referido n.º 3, os sócios “X” e “Y”, detentores, cada um, de 50% da sociedade Alfa, deliberaram em assembleia geral (a qual pode ser levada a efeito, por exemplo, ao abrigo do artigo 54.º - Deliberações unânimes e assembleias universais, também ele do CSC) a redução do capital social para 10.000 euros, pelo que, com a cópia da deliberação da assembleia geral, como suporte documental, debita-se a conta 51 – Capital, por crédito da conta 56 – Resultados transitados, no montante de 40.000 euros, após o que a situação do capital próprio será, agora, positiva no montante de 17.000 euros, e, como se verifica, bastante superior aos 10.000 euros correspondentes ao novo capital social.

Refira-se, ainda, que nesta situação de prejuízos acumulados, se os sócios tivessem efectuado suprimentos à sociedade, pelo que se encontrariam relevados a crédito das contas 2532“X” – Financiamentos obtidos – Participantes de capital – Outros participantes – Suprimentos e outros mútuos – Sócio “X”, e 2532“Y” – Financiamentos obtidos – Participantes de capital – Outros participantes – Suprimentos e outros mútuos – Sócio “Y”, e o montante desses suprimentos permitisse ultrapassar a questão do artigo 35.º do CSC, não seria necessário proceder à redução do capital social, desde que os sócios estivessem de acordo, e deliberassem em assembleia geral que os seus suprimentos fossem utilizados na cobertura dos prejuízos, pelo que com a cópia da acta da assembleia geral a servir de suporte documental, seriam debitadas as contas 2532“X” e 2532“Y” por crédito da conta 56.

Vejamos, agora, o exemplo da sociedade Beta, que apresentando o capital de 200.000 euros, e tendo reservas e resultados transitados positivos no montante de 250.000 euros, os respectivos sócios, “A” e “B”, detentores, cada um, de uma quota de 100.000 euros, por entenderem que a sociedade, no exercício da actividade, não necessitava de um capital tão elevado, decidiram, em assembleia geral, que, à semelhança do exemplo anterior, pode ser efectuada de acordo com o disposto no artigo 54.º do CSC, proceder à redução do capital para 50.000 euros.

Então, tendo como suporte documental cópia da acta que aprovou a deliberação da redução do capital, creditam-se as contas 268“x1” – Accionistas/sócios – Outras operações – Reembolso de capital – Sócio “A”, e 268“x2” – Accionistas/sócios – Reembolso de capital – Sócio “B”, pelo montante de 75.000 euros cada um, por débito da conta 51 – Capital, no montante de 150.000 euros. Aquando do pagamento destas verbas, debitam-se as contas 268“x1” e 268“x2”, por crédito da conta 12 – Depósitos à ordem.

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Algumas considerações finais. Não podemos deixar de verificar que estas operações cumpriram com o estipulado no n.º 1 do artigo 95.º - Deliberação de redução do capital, pois este dispõe que a redução do capital não pode ser deliberada se a situação líquida da sociedade não ficar a exceder o novo capital em, pelo menos, 20%.

Um alerta não menos importante, é que estas deliberações têm que ser depositadas na Conservatória do Registo Comercial, conforme, aliás, se encontra acima referido.

Atente-se, também, que embora a redução de capital consubstancie uma variação patrimonial negativa, em sede do Código do IRC, a mesma não concorre para a determinação do lucro tributável dado que as saídas em dinheiro ou em espécie, em favor dos titulares do capital, a título de redução do mesmo, encontram-se excepcionadas na alínea c) do artigo 24.º.

Também em sede do Código do IRS não existe tributação, se a redução do capital social da sociedade não se traduzir em qualquer ganho para os sócios, dado que se trata de um mero reembolso do capital por eles inicialmente realizado.

Relativamente à situação, por nós referida, em que verificando-se a existência de suprimentos efectuados pelos sócios, e desde que estes estivessem de acordo, e deliberassem em assembleia geral que os mesmos fossem utilizados na cobertura dos prejuízos, tal facto traduzir-se-ia numa variação patrimonial positiva, mas que não concorreria para a determinação do lucro tributável em IRC, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

Apesar de, no nosso entender, este articulado não suscitar qualquer dúvida, permitimo-nos transcrever a seguinte doutrina:

“Despacho de 13 de Outubro de 2005 – Proc.º: 3330/04

CIRC – Capital social – Resultados transitados – Capital próprio – Transferência de créditos do sócio

CIRC Artigo 21.º
Assunto: Transferência de crédito do sócio para Capital Próprio (Capital Social ou Resultados Transitados): enquadramento em IRC.

Processo: 3330/04, com despacho concordante do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos, de 13 de Outubro de 2005

A transferência do crédito de um sócio para Capital Social ou para Resultados Transitados com vista à anulação do crédito que detém sobre a empresa representa, no primeiro caso, uma entrada de capital em espécie, com o correspondente aumento do capital social e, no segundo caso, a cobertura de parte dos prejuízos acumulados.

Assim, num e noutro caso, a transferência configura uma variação patrimonial positiva que não influencia o resultado líquido do exercício enquadrável na excepção contemplada na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IRC, pelo que não está sujeita a tributação em sede de IRC.”

Salientamos que o facto de os sócios cobrirem os prejuízos, contabilísticos, através de suprimentos, não invalida que a sociedade possa utilizar os prejuízos fiscais, deduzindo-os aos lucros tributáveis que vier a apurar nos períodos seguintes, de acordo com os termos previstos no artigo 52.º - Dedução de prejuízos fiscais, do Código do IRC.

Veja-se, também, a doutrina que a seguir se transcreve, a qual, salvo melhor opinião, é aplicável ao caso ora em análise, por analogia.

“Despacho de 27 de Fevereiro de 1989 – Proc.º n.º 317/89

CIRC – Reservas de reavaliação – Reporte de prejuízos – Prejuízos contabilísticos

Tal como já acontecia no âmbito da contribuição industrial, o reporte de prejuízos previsto no art.º 46.º [actual artigo 52.º] do CIRC não fica prejudicado pela utilização de reservas de reavaliação na cobertura de prejuízos contabilísticos.”

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Uma nota final, ainda, para recordarmos que apesar da alteração do artigo 201.º, levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 33/2011, de 7 de Março, que tornou livre o valor do capital social das sociedades por quotas, o artigo 218.º não sofreu alteração, pelo que se mantém em vigor o limite mínimo da reserva legal, fixado em € 2.500.

Esperando que deste Tome Nota os Prezados Colegas possam aproveitar algo de útil, o que seria para nós motivo de satisfação, ficamos na expectativa das vossas críticas e sugestões.

João Colaço